O suicídio é um assunto que precisa ser discutido. Por ser um tabu em nossa sociedade, poucas pessoas sabem como prestar os primeiros socorros a alguém que tentou se matar. Afinal, se não falamos sobre o assunto, como podemos ajudar quem está vivendo essa situação?
Estamos falando de um problema de saúde pública que, cada vez mais, afeta pessoas do mundo inteiro. De acordo com um estudo publicado pelo Ministério da Saúde em 2017, estima-se que mais de 800 mil pessoas tiram a própria vida todo ano.
No Brasil, houve aumento da taxa de suicídio. Só em 2015 houve 11.736 óbitos, um total de 5,7 óbitos para cada 100 mil habitantes. Os números são alarmantes e apenas sinalizam a urgência de falarmos sobre o assunto.
Mas como ajudar alguém que está pensando ou já tentou se matar? O que fazer em tentativa de suicídio? Neste post, reunimos informações importantes sobre os primeiros socorros a serem prestados. Acompanhe!
O que caracteriza uma tentativa de suicídio?
A palavra suicídio significa morte intencional autoinfligida, ou seja: quando uma pessoa, por desejo de sair de uma situação de dor intensa, decide tirar sua própria vida. Atualmente, o suicídio está entre as três principais causas de morte entre jovens e adultos. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a média de suicídio aumentou 60% nos últimos 50 anos.
Mas o que caracteriza uma tentativa de suicídio? Primeiramente, o comportamento. Isso porque, antes de tentar tirar a própria vida, o indivíduo pode dar alguns sinais do que pretende fazer. Logo, é importante dar atenção ao que ele diz ou às mensagens que ele registra.
Cabe ressaltar também que o suicídio pode ser considerado um ato deliberado, feito de forma consciente e intencional. Muitas vezes a pessoa usa um meio que acredita ser letal, desde o abuso de remédios até o manuseio de uma arma de fogo. A principal característica é, portanto, o ato de acabar com sofrimento, tirando a própria vida de forma intencional.
Quais são os tipos mais comuns de tentativa de suicídio?
Normalmente, as tentativas de suicídio estão relacionadas a transtornos mentais, como a depressão. Nesse caso, a pessoa perde a vontade de viver e passa a ver a morte como a única saída para esse problema.
Globalmente, os métodos mais usados são o uso de pesticidas, enforcamento e armas de fogo. Conhecer esses métodos é muito importante para a elaboração de estratégias de prevenção que têm se mostrado eficazes, como a restrição de acesso a tais meios.
O suicídio, em grande parte das vezes, é evitável. Existe uma série de medidas que podem ser tomadas. Veja:
- redução do acesso aos meios utilizados (pesticidas, armas de fogo, determinadas medicações, etc);
- cobertura responsável sobre o assunto pelos meios de comunicação;
- políticas públicas para reduzir o uso abusivo do álcool;
- identificação precoce, tratamento e cuidados de pessoas com transtorno mentais;
- formação de profissionais especializados em avaliação e gerenciamento de comportamentos suicidas;
- acompanhamento de pessoas que tentaram o suicídio;
- prestação de apoio comunitário.
É importante frisar que o suicídio é algo que envolve muita complexidade. Por esse motivo, os esforços de prevenção precisam de coordenação e colaboração entre os diversos setores da sociedade. Esses esforços devem ser abrangentes e integrados, já que apenas uma única abordagem pode não ter efeito algum diante de um tema tão complexo quanto o suicídio.
Afirmar que a pessoa que tem intenção de tirar a própria não avisa e não fala sobre isso é um grande mito social em torno do suicídio. Afinal, devemos considerar seriamente todos os sinais de alerta que podem indicar que uma pessoa está pensando em se matar.
Não existe um “manual” para detectar seguramente uma crise suicida em uma pessoa próxima. Contudo, um indivíduo que está sofrendo pode dar alguns sinais que devem chamar a atenção de seus familiares e amigos mais próximos.
Vale frisar que os sinais de alerta que serão descritos não deverão ser considerados isoladamente. Afinal, uma pessoa com pensamentos suicidas pode se comportar e agir de acordo com inúmeros fatores, que envolvem desde o estado de sua saúde mental até o meio social em que está inserida. Veja:
Falar sobre a morte e falta de esperança
Geralmente, a pessoa que está pensando em se matar costuma falar sobre a morte com uma frequência maior. Expressa a ausência de esperança por dias melhores e tem uma visão negativa sobre sua vida e seu futuro.
Essas ações podem ser expressas de forma escrita, verbal ou por meio de desenhos. Em alguns casos, inclusive, o indivíduo começa a formular um testamento ou a fazer um seguro de vida.
Ter um comportamento isolado
As pessoas que estão pensando no suicídio podem se isolar gradativamente. Começam a não querer atender ao telefone. Depois, evitam interagir nas redes sociais e preferem ficar em casa sozinhas, reduzindo ou cancelando as atividades sociais. Inclusive, é comum que as atividades preferidas dessas pessoas, como correr no parque, ir ao bar com os amigos etc., comecem a ser abandonadas.
Não cuidar da aparência e higiene
Outro ponto que merece atenção é o desleixo com os cuidados pessoais. A pessoa não se preocupa mais em se vestir bem ou cuidar de sua aparência. Além disso, deixa de adotar os hábitos mais básicos, como tomar banho ou pentear o cabelo. A falta de cuidado que ela demonstra com a própria vida torna-se cada vez mais aparente.
Outros fatores
Há outros fatores que podem vulnerabilizar o indivíduo, como falta de emprego, crises políticas e econômicas, sofrimento no trabalho, bullying, discriminação por orientação sexual e identidade de gênero, agressões físicas e/ou psicológicas, entre outros. Tudo isso deve ser levado em consideração se a pessoa apresenta outros sinais de alerta para o suicídio.
Como prestar os primeiros socorros em tentativas de suicídio?
Procurar com rapidez por psicólogos e psiquiatras é a melhor atitude quando se percebe que alguém está se comportando de forma diferente e que, possivelmente, considera o suicídio uma opção. Deve-se buscar ter uma atitude acolhedora e buscar ajuda e orientação para lidar com a situação. Muitas vezes, demorar para encontrar um auxílio pode agravar a situação.
Além disso, quando uma pessoa diz que está cansada da vida ou não consegue encontrar uma razão para viver, ela tende a rejeitar a aproximação de outras pessoas. Ao ser obrigada a ouvir sobre outras pessoas que estiveram em situações piores e superaram, isso lhe causa ainda mais raiva e distanciamento. Essa atitude não ajuda.
Nesse caso, o contato inicial é de suma importância. Como citamos acima, ele pode ocorrer primeiramente em uma clínica. Mas também pode acontecer em casa ou até mesmo em um espaço público. Confira as orientações:
Encontre um lugar adequado
O primeiro passo é achar um lugar adequado para que uma conversa tranquila possa ser estabelecida. Não precisa ser um espaço privado, apenas que tenha privacidade razoável para que a pessoa possa se abrir.
Ofereça o tempo necessário
De nada adianta chamar a pessoa que está pensando em suicídio para conversar, se você não terá tempo suficiente para ouvi-la. É comum que, nesse caso, o indivíduo precise de mais tempo para deixar de se achar um fardo. Logo, você deve estar disponível fisicamente e emocionalmente para oferecer toda sua atenção.
Ouça efetivamente
O próximo passo é também um dos mais importantes: ouvir com atenção. Levar a pessoa que está pensando em tirar a própria vida para um lugar tranquilo e ouvi-la com atenção ajuda a reduzir o nível de desespero que ela está sentindo. Por isso, seja gentil.
Acima, as orientações foram voltadas à pessoa que está pensando em suicídio e ainda não cometeu o ato. A intenção, nesse caso, é estabelecer uma situação de confiança, entender quais são as motivações do indivíduo para direcioná-lo ao atendimento psicológico.
No entanto, caso a pessoa já tenha tentado cometer o suicídio, há outros cuidados específicos de primeiros socorros. Os primeiros socorros são necessários às emergências em saúde. Note algumas ações e suas respectivas medidas:
Cortes nos pulsos
Caso o indivíduo tenha cortado os pulsos, o ideal é fazer pressão na região com o auxílio de um pedaço de pano (ou outro tecido, preferencialmente limpo) até a chegada da ambulância.
Ingestão de veneno e remédios
Caso a vítima tenha engolido, o ideal é dar água com sal para provocar o vômito e esperar pela ajuda médica. Depois, é preciso encontrar o tipo de substância ingerida para informar aos socorristas. Nesse caso, os remédios para dormir são os mais utilizados.
Enforcamento
Se a vítima apresentar movimentos, deve-se colocar uma cadeira, móvel ou objeto alto para apoiar os pés. Recomenda-se não tocar no corpo, pois isso pode provocar uma situação irreversível.
Arma de fogo
Faça pressão no local atingido com panos limpos, roupas ou outro tecido. O objetivo é estancar a hemorragia até que a ambulância chegue até o local.
Afogamento
Retire a vítima da água, deite-a de barriga para cima e inicie a massagem cardíaca e a respiração boca a boca até que a ajuda médica chegue.
Queda
Não mexa na vítima, pois ela pode ter fraturado algum osso e isso pode causar sequelas, como paralisia. O ideal é aguardar a ajuda médica.
Em todos os casos, recomenda-se chamar a ambulância. Muitas vezes, o desespero do momento acaba fazendo com que os primeiros socorros sejam prestados, mas sem a comunicação com a equipe médica.
O que fazer após uma tentativa de suicídio?
Caso conheça alguém que tenha tentado cometer o suicídio, possivelmente você está vivendo um momento bem difícil, que mistura confusão, tristeza, vergonha e outras emoções. Após ter prestado os primeiros socorros à pessoa que tentou se matar, busque apoiá-la para que a situação não se repita. Para isso, tome as seguintes medidas.
Leve o indivíduo ao médico
Dependendo das circunstâncias ligadas à tentativa de suicídio, o indivíduo pode ser internado em um hospital geral para tirar do estado crítico ou nem um hospital psiquiátrico. Assim poderá receber os cuidados necessários e ficar em observação.
Nesse caso, o objetivo é estabilizar a condição médica da pessoa. Em seguida, uma avaliação psiquiátrica é realizada para evitar reincidências.
Informe-se sobre o tratamento e a medicação
Para evitar que aconteçam mais tentativas de suicídio, não saia do hospital sem um plano de tratamento definido. Se possível, agende uma consulta com o psicólogo ou psiquiatra que acompanhou o caso. Além disso, tenha todas as prescrições de medicamentos em mãos.
Mantenha a pessoa em segurança
O próximo passo para evitar com que novas tentativas de suicídio sejam adotadas é ter um plano de segurança. Ou seja, descrever ações que a pessoa pode aplicar por conta própria quando estiver se sentindo mal, como ouvir uma música animada, escrever no diário ou fazer exercícios físicos.
O plano também deve conter os nomes das pessoas que podem apoiar o indivíduo, como amigos e familiares. Assim, sempre que ele se sentir triste, saberá com quem contar e pedir ajuda. Além dessas pessoas, inclua os telefones de contato para os serviços de saúde mental e emergências.
Por fim, o plano deverá conter a descrição de como a pessoa tentou se matar e quais são as formas de reduzir seu acesso a essas armas potenciais. No entanto, ela deverá estar ciente de que esse esquema de segurança é para que ela preserve a própria vida.
Procure grupos de apoio
Não é apenas a pessoa que tentou cometer o suicídio, e recebeu os primeiros socorros, que precisa de ajuda psicológica. Por se tratar de um momento extremamente delicado, todas as pessoas que estão ajudando e vivendo a situação podem ter um apoio médico especializado.
Além da psicoterapia, também vale a pena procurar por grupos de apoio para familiares. Eles podem ajudar a estabelecer conexões com quem já passou pela mesma situação. Nesses encontros, todos se apoiam e compartilham suas experiências. É uma forma de desabafar e encontrar as melhores medidas para amenizar a sensação de medo e impotência.
Controle suas emoções
Depois que uma pessoa querida tenta tirar a própria vida, é normal que você se questione as razões para que ela tenha feito isso sem, ao menos, pedir a sua ajuda diretamente. Você pode sentir raiva e pensar que essa foi uma forma de chamar a atenção.
No entanto, independentemente dos motivos que essa pessoa teve, ela precisa de apoio e de alguém que seja o seu porto seguro. Evite ao máximo ficar fazendo perguntas sobre as motivações da tentativa de suicídio.
Afinal, o importante é que a pessoa sobreviveu. Em vez disso, expresse seu amor, preocupação e admiração por ela estar com você e pela segunda chance que vocês têm. Fale sobre os seus sentimentos, mas sem invadir. Diga o quanto ama a pessoa e que não importa o que aconteça, pois agora você está com ela para o que der e vier.
Como saber se existe risco de suicídio?
Como citamos, não existe um manual com todos os riscos de suicídio. O suicídio não tem cara, mas pode dar alguns sinais de alerta. Após uma tentativa, as chances de a pessoa cometer a segunda, e mais outras, podem ser grandes.
Por isso, por mais que a situação pareça que está controlada e, até mesmo, que foi arquivada, é muito importante continuar observando o indivíduo.
Reconheça os padrões de pensamentos suicidas
Quem pensa em novas tentativas de se matar costuma apresentar alertas mentais e emocionais. Normalmente, queixam-se da dor de continuar vivendo. Sentem-se fracassados por não terem conseguido tirar a própria vida. Tendem a chorar com frequência e quase não riem, pois se sentem sem esperança.
Observe as alterações de humor
Quando uma pessoa que tentou se suicidar percebe que está cercada por familiares e amigos, mas, mesmo assim, ainda tem vontade de se matar, ela tende a esconder suas emoções. Muitas vezes, demonstra felicidade em alguns momentos do dia, mas em outros se mostram irritadas e descontentes.
Elas podem sentir que são um fardo, principalmente após terem exigido mais cuidado e atenção depois da tentativa de suicídio. Ao mesmo tempo, sentem raiva e nutrem um sentimento de vingança.
Fique de olho nos indícios verbais
Para saber se ainda há risco de suicídio, outro ponto a ser observado é o indício verbal. Existem frases que são bastante comuns de uma pessoa que ainda está tentando se matar. Como:
- Não vou ficar chateado, pois não estarei aqui em breve
- Nada mais importa.
- Vão sentir a minha falta quando eu morrer.
- A vida é muito difícil.
- Não vou dar trabalho por muito tempo
- Eu estaria melhor se estivesse morto (a).
É claro que essas frases não são fatores isolados. Geralmente, elas vêm acompanhadas por sentimentos profundos de tristeza, de ações de desinteresse e ausência de autocuidado etc.
Observe as melhoras súbitas
Nunca se esqueça de que o maior potencial para o suicídio não é apenas quando a pessoa está no fundo do poço, mas também quando ela parece melhorar. No caso de pessoas que já tentaram se matar, isso é ainda mais comum, pois ela pode continuar pensando no ato, demonstrando felicidade em vários momentos.
Logo, desconfie desse comportamento e converse sempre com o indivíduo, mas sem julgamentos ou pressão.
Veja se a pessoa quer ficar sozinha
Se, mesmo dentro do hospital psiquiátrico ou ambulatório, a pessoa sinalizar de alguma forma que não desistiu de se matar e faz questão de ficar sozinha sempre, desconfie. Muitas vezes, ela faz isso para cometer o ato de novo.
Portanto, evite ao máximo deixá-la sozinha e elimine quaisquer objetos que ela possa usar para se ferir. Ela pode reclamar de falta de privacidade ou que está dando trabalho, ignore tudo e diga que não se importa, que só quer vê-la bem logo.
Considere o histórico da pessoa e as circunstâncias atuais
As experiências que a pessoa passou, sejam recentes, sejam antigas, podem ter forte influência em novas tentativas de suicídio. Saiba se houve a morte de um ente querido recente, se ela perdeu o emprego, se está com alguma doença crônica e outros eventos estressantes que podem funcionar com gatilhos.
Ao conversar com essa pessoa, proponha soluções, pense em como ajudá-la a encontrar um novo emprego, como ir com ela em grupos de apoio e na primeira consulta com o psiquiatra e dormir com ela no hospital. São ações pequenas, mas que podem fazer uma grande diferença na vida de quem já perdeu as esperanças.
Ligue para o Centro de Valorização da Vida
Esse telefone não é apenas útil a quem está tentando se matar. Ele também ajuda pessoas que desejam prevenir o suicídio de terceiros.
Os atendentes dessas linhas podem ajudar muito, instruindo a tomar medidas diretas e encaminhando você a médicos e psicólogos. Disque 188 para falar com um atendente ou acesse à página do Centro de Valorização da Vida.
Como vimos, prestar os primeiros socorros em uma tentativa de suicídio vai muito além das ações ambulatoriais, como estancar o sangue ou fazer massagem cardíaca. Na realidade, existe todo um processo a fim de fazer com que o suicida compreenda que ele não está sozinho e que a sua vida é muito importante.
Por ser uma situação extremamente delicada e, que muitas vezes, ninguém se imagina nela, é comum ter dúvidas, medos e receios. E é por isso que os cuidados psicológicos não são apenas para o indivíduo que tentou tirar a própria vida, mas também para quem esteve com ele desde o começo.
Ao contrário do que muitos pensam, procurar esse tipo de apoio não é sinal de fraqueza ou drama. Todos nós passamos por momentos delicados. E toda ajuda é sempre bem-vinda. Por isso, enfatizamos mais uma vez a importância de estar presente e de adotar medidas para evitar com que mais uma tentativa aconteça.
Hoje em dia, é possível encontrar diversas histórias de pessoas que superaram o suicídio e que podem ajudar quem está passando por uma situação de desespero e que acredita que nunca vai passar. Ofereça apoio, reserve um tempo para conversar e entender as motivações dessa pessoa. Mostre histórias de superação e, o mais importante, não faça julgamentos antes ou depois de prestar os primeiros socorros.
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Você também pode acessar o e-book sobre suicídio na adolescência preparado pelo dr. Caio Bonadio, psiquiatra do Hospital Santa Mônica.