Você sabe o que é automutilação e por que é importante falar sobre esse assunto? Afinal, pessoas que têm o hábito de autoinfligir lesões físicas certamente estão vivenciando momentos muito difíceis.
Isso porque a automutilação é vista como uma válvula de escape nada saudável para indivíduos lidando com situações em que a dor psicológica e emocional necessita ser aliviada de alguma forma.
Mas nem sempre é possível identificar previamente o potencial risco ou atitudes recorrentes desse comportamento. Os indivíduos acabam utilizando algumas estratégias para esconder as marcas das feridas e, por isso, é importante ter bastante atenção a outros sinais comportamentais.
Neste artigo, abordaremos detalhadamente o que é automutilação e as causas, assim como os possíveis meios para identificar o problema e como prestar o auxílio adequado. Acompanhe!
O que é a automutilação?
A automutilação é um termo usado para se referir às lesões provocadas nos próprios tecidos do corpo de forma deliberada, ou seja, propositalmente. A prática é mais comum entre jovens e adolescentes, e geralmente se manifesta na puberdade e fase adulta.
Idosos também podem apresentar episódios de autoagressão, mas, de modo geral, eles são relacionados a quadros de demência. Autistas, por sua vez, podem praticar ações automáticas de automutilação como um dos sintomas da doença.
Segundo o psiquiatra e médico do sono Dr. Caio Macedo Athayde Bonadio, existem dois tipos de comportamento: automutilação com pretensão de suicídio e automutilação sem ideação suicida.
Automutilação com intenção suicida
Quando o objetivo final é o suicídio, esse cenário acontece em menor frequência considerando o histórico individual. Nesse caso, os meios utilizados para autolesão têm maior potencial de causar morte e são mais destrutivos.
Os atos mais comuns são enforcamento, envenenamento, jogar-se de grandes alturas ou atirar-se na frente de veículos em alta velocidade.
Automutilação sem ideação suicida
A automutilação sem intenção suicida, por outro lado, é praticada com maior frequência, no entanto, embora essas lesões também sejam destrutivas, não há um risco iminente de morte.
As autoagressões mais comuns acontecem por meio de cortes, queimaduras e arranhões na pele e mordidas na parte inferior da boca ou membros superiores. Além disso, algumas pessoas têm o hábito de bater a cabeça na parede ou esmurrar a si mesmas.
O fato é que, independentemente do tipo, a automutilação significa que essas pessoas estão passando por algum desafio na vida. Esses indivíduos tentam aliviar fisicamente as dores psicológicas e emocionais.
Automutilação significa pensamento em suicídio?
Essa prática não significa, necessariamente, pensamento em suicídio. Embora as motivações e comportamentos sejam distintos, eles podem coexistir.
Automutilar-se significa causar lesões físicas como cortes, queimaduras e batidas, na tentativa de lidar com emoções intensas e dolorosas, sem necessariamente, a presença de um desejo de morrer. Os indivíduos fazem isso como uma forma de aliviar momentaneamente uma dor emocional.
O que acontece com os pensamentos suicidas é que existe a presença de uma forte vontade de tirar a própria vida. O indivíduo tem ideias recorrentes sobre a morte e a não existência, acompanhadas de um desejo de acabar com todo o sofrimento.
A automutilação causa alívio em quem a comete?
Sim, esse ato pode provocar um alívio temporário em quem o pratica. No entanto, esse sentimento é momentâneo e não ajuda a resolver os problemas que levam à automutilação.
Machucar-se propositalmente traz alívio temporário, pois o paciente se concentra na dor física o que ajuda a distraí-lo da dor emocional que está sentindo. Além disso, o sentimento (errôneo) de controle gerado pelo ato também contribui para trazer um certo conforto.
Quais motivos levam uma pessoa a se mutilar?
A dificuldade em lidar com sentimentos negativos, como depressão e ansiedade, é o principal fator que leva uma pessoa a se ferir. De acordo com o Dr. Caio Bonadio alguns fatores de risco podem estar associados com a automutilação, mas distúrbios psiquiátricos também são elementos determinantes.
Fatores de risco
Perturbações psicológicas devido a traumas e angústias vivenciados na infância podem perdurar por muitos anos. Dessa forma, no início da adolescência, quando o indivíduo passa por descobertas e precisa lidar com mudanças hormonais, físicas e psicossociais, tais perturbações podem se agravar.
Transtornos alimentares como bulimia e anorexia, bullying, abusos sexuais, maus tratos, pais dependentes químicos e abuso de drogas são os principais fatores de risco que levam esses adolescentes a praticar a automutilação.
Distúrbios psiquiátricos
Além dos fatores de risco citados, transtornos psiquiátricos podem ser motivos da desorganização comportamental que resultam na automutilação. Depressão, ansiedade, dependência química, estresse pós-traumático e transtornos alimentares são exemplos desses distúrbios.
Ademais, alguns indivíduos com Transtorno da Personalidade Borderline — caracterizado por significativa instabilidade emocional e impulsividade — se mutilam com certa frequência. O Dr. Caio Bonadio explica claramente a relação do comportamento com a doença:
“Pacientes com Transtorno de Personalidade Borderline, que é o caráter disfuncional de personalidade em que a automutilação mais aparece, tem um limiar a dor mais alto do que pessoas sem essa personalidade, ou seja, eles precisariam de estímulos mais fortes para sentir dor do que outras pessoas. Isso refletiria uma disfunção em áreas cerebrais que controlam a dor e as emoções.”
Alívio e controle das emoções
Conflitos interpessoais e sensações de vazio são sentimentos que também podem levar as pessoas a praticarem a automutilação. Ao se ferirem, o foco destinado a esses problemas são aliviados, como se o ato de se cortar fosse mais fácil do que lidar com eles.
Esse escape, segundo o psiquiatra, Dr. Rodrigo Machado, tem fundamentos fisiológicos. Ao cometer a autoagressão, o organismo libera endorfinas cerebrais (substâncias consideradas analgésicos naturais) e produzem a sensação de prazer e alívio temporário.
Além da dificuldade em lidar com frustrações, a impulsividade é uma característica muito presente nesse comportamento. Para essas pessoas, é complicado agir em situações mais complexas e eles acabam ferindo a si.
O que acontece, no entanto, é um arrependimento posterior ao ato, além de um sentimento de vergonha e insatisfação, que pode agravar a saúde mental e emocional.
Como identificar que uma pessoa está passando por esse problema?
Existem alguns comportamentos que podem indicar a prática de automutilação. Entre eles, o hábito de vestir calças e blusas de manga compridas mesmo durante o calor e o aparecimento de lesões e cicatrizes sem causa aparente.
Alterações psicossociais também podem ser um indício. É importante observar a preferência por isolamento social, cenários de impulsividade, irritabilidade, autocrítica exacerbada, transtornos alimentares e diminuição da higiene pessoal.
Publicado pela Editora Manole, em 2015, o livro “Psiquiatria, Saúde Mental e a Clínica da Impulsividade” retrata que existem 6 perguntas imprescindíveis que auxiliam durante a investigação.
- Alguma vez você cortou ou fez vários pequenos cortes na sua pele?
- Alguma vez você se feriu de alguma forma e desejou esse ferimento?
- Quando fez alguns dos atos, você estava tentando se matar?
- Você sente algum tipo de alívio quando provoca esses ferimentos?
- Você costuma ter esse tipo de comportamento diante das pessoas com quem convive?
- Quanto tempo você gasta pensando em fazer esse ato antes de realmente executá-lo?
Como ajudar a pessoa que passa por uma fase de automutilação?
A primeira conduta a ser seguida é criar um ambiente acolhedor, considerando a individualidade, sem negligenciar suas dores psicológicas.
A partir daí, é essencial analisar e estabelecer uma relação de confiança e afetividade, buscando dialogar continuamente. É importante, também, tentar mostrar que existem outros meios de solucionar os problemas que não sejam por automutilação.
Uma grande aliada do tratamento é a terapia cognitivo-comportamental, que permite identificar e tratar os motivos que levam a essa prática. Desse modo, o apoio profissional auxilia a pessoa a ser capaz de descobrir alternativas saudáveis para resolver suas perturbações.
Dependendo do caso, medicamentos também podem ajudar a diminuir ou cessar os episódios de autolesão — o uso adequado deve ser acompanhado de uma equipe de saúde e associado à psicoterapia.
Quais os mitos sobre automutilação?
Existem muitos mitos em torno da automutilação, o que pode dificultar a compreensão e a busca por ajuda profissional. Por isso, conhecer esses mitos ajuda familiares e pacientes a buscarem o suporte profissional adequado.
Uma das ideias errôneas a respeito do assunto é aquela que defende que as pessoas que se automutilam estão em busca de atenção. Isso não é, necessariamente, verdade, já que, de maneira geral, os indivíduos que fazem isso não estão fazendo para mostrar algo aos outros (eles tentam esconder, inclusive).
Outro mito diz que as pessoas que se automutilam querem tirar a própria vida. Embora existam casos em que a automutilação pode ser um sinal de risco de suicídio, a maioria das pessoas que se autolesionam não tem intenção de morrer.
Acreditar que a prática é uma dependência também é um mito que está instalado no imaginário popular. Entretanto, a automutilação não é classificada como tal, mas sim um hábito autodestrutivo difícil de ser quebrado.
Há quem acredite que a prática é uma escolha consciente. Porém, isso também é um mito. É preciso ter em mente que a automutilação é um comportamento complexo e multifatorial, influenciado por diversos aspectos, como genética, experiências de vida e transtornos mentais.
Embora seja mais comum entre adolescentes e jovens adultos, a automutilação pode acontecer em pessoas de todas as idades e é uma forma de demonstrar que algo não vai bem. Em alguns pacientes ela pode ser associada a outros transtornos mentais, como depressão, ansiedade e transtorno bipolar.
Existem diversos tratamentos eficazes para a automutilação, como a psicoterapia e a medicação, por isso, os pacientes e familiares devem buscar ajuda profissional. Independentemente do grau ou do tempo em que persiste a prática, a situação deve ser enfrentada, pois existem tratamentos adequados que ajudam a tratar e promovem um ganho de qualidade de vida.
A automutilação traduz um grande sofrimento daqueles que a praticam e, à medida que elas são acolhidas, ouvidas e orientadas a externar suas preocupações, conseguem se enxergar mais seguras e confiantes. Lembre-se de que a família tem papel mais do que fundamental nessa jornada e também deve buscar apoio psicológico, sempre que possível.
Agora que você compreendeu como identificar e ajudar pessoas que estão passando por uma fase de automutilação, saiba como identificar se seu filho está triste ou deprimido.