Mudanças repentinas de humor, comportamento antissocial, rompantes de agressividade. Essas são só algumas das características observadas em indivíduos com transtornos de personalidade, mas como definir — dentre tantas variáveis — qual se aplica a cada caso?
Para compreender melhor os transtornos de personalidade mais comuns, conversamos com o doutor Cláudio Duarte, médico psiquiatra do Hospital Santa Mônica. Continue lendo, e entenda os sintomas e características de cada um.
O que são transtornos de personalidade?
Para o doutor Cláudio Duarte, antes de falar em transtornos é preciso definir o que, de fato, constitui a personalidade. Segundo o médico, o traço de personalidade é definido por padrões persistentes em um indivíduo — sejam eles de percepção, relacionamento interpessoal ou pensamentos sobre si mesmo e o ambiente que o cerca.
“O transtorno de personalidade só é presente quando esses traços são muito inflexíveis e levam a um problema de adaptação, com prejuízo no funcionamento global e sofrimento subjetivo do indivíduo ou ainda as pessoas com quem convive socialmente”, completa.
“Falamos em alteração patológica de personalidade quando observamos na pessoa um padrão persistente de alterações, que se confunde com o jeito de ser da pessoa e não com um momento excepcional ou somente existente em determinadas circunstâncias”, diz o médico do Hospital Santa Mônica.
Para ser considerado um transtorno, essas mudanças extremas devem ocorrer em ao menos duas das áreas da vida, sendo elas:
- cognição: formas de perceber e interpretar a si mesmo, outras pessoas e eventos;
- afetividade: variação, intensidade, labilidade e adequação da resposta emocional;
- funcionamento interpessoal: relacionamentos;
- controle de impulsos: o quanto se consegue conter uma reação automática e pouco elaborada de comportamento.
Além de atingir ao menos duas das áreas relatadas acima, é necessário ainda que:
- o padrão disfuncional seja persistente, inflexível e envolva uma ampla gama de situações pessoais e sociais;
- provoque sofrimento significativo e prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida;
- se dê de forma estável e por longa duração, e seu surgimento ocorra a partir da adolescência ou do início da vida adulta;
- não se possa explicar tais desvios como manifestação ou consequência de outro transtorno mental, nem se possa atribuir a efeitos fisiológicos de uma substância qualquer (ex: drogas e medicamentos) ou a outra condição médica (ex: um trauma cranioencefálico).
É fácil diagnosticar transtornos de personalidade?
Para o especialista do Hospital Santa Mônica, o diagnóstico de transtornos de personalidade não é imediato e deve ser feito cuidadosamente por um profissional da saúde mental.
“Os desvios do chamado padrão normal devem ser observados por um longo prazo e quase sempre só são percebidos ou postulados ao fim da adolescência e começo de vida adulta”, diz o médico. “Apesar de ocasionais, quando feitos por um profissional experiente, diagnósticos corretos logo na primeira consulta são uma raridade”, completa.
O médico ainda alerta para os riscos do diagnóstico errado de transtornos. “Se feito incorretamente, ele pode ocasionar em rotulação social, preconceito e problemas ainda maiores que o transtorno em si”, afirma o profissional.
Como é feito o diagnóstico de transtornos de personalidade?
De acordo com o doutor Cláudio Duarte, é comum que sejam realizadas muitas consultas e avaliações até que se chegue a um diagnóstico preciso, podendo ser necessária a aplicação de testes e instrumentos psicométricos.
“É importante ainda ouvir também familiares e indivíduos próximos ao paciente. Além disso, é necessário afastar elementos que possam confundir o profissional, como uso de álcool e drogas, quadros depressivos e neurológicos etc.”, afirma.
O médico ressalta que, muitas vezes, algumas das características que definem um transtorno da personalidade podem não ser consideradas problemas pelo sujeito que tem o transtorno — são os chamados traços egossintônicos.
Antecedentes culturais, étnicos e sociais do indivíduo também têm ser levados em conta. “Deve-se diferenciar transtorno da expressão de hábitos, costumes ou preceitos religiosos e políticos que podem ser normais e comuns na cultura de origem da pessoa, mas destoar quando ela vive e os expressa em outro local para onde migra ou está temporariamente”, explica o especialista.
Quais são os transtornos de personalidade mais comuns?
Transtorno de personalidade esquizoide
Classificado pela falta de interesse em relações sociais, o transtorno de personalidade esquizoide pode ser percebido em pessoas introvertidas, solitárias, emocionalmente frias e distantes. São indivíduos por vezes absorvidos em seus próprios pensamentos e sentimentos, temendo a proximidade e intimidade com outros.
Para indivíduos com a personalidade esquizoide, relacionamentos são uma interferência à liberdade e tendem a causar problemas. Pessoas com esse distúrbio têm pouca vontade de ter relações sexuais com outra pessoa, bem como pouco prazer na realização de atividades em grupo. São caracterizados ainda pela falta de amigos ou confidentes que não sejam parentes de 1º grau.
Transtorno de personalidade paranoica
Tem por característica principal a interpretação de ações de terceiros como sendo deliberadamente ameaçadoras ou degradantes. As pessoas com transtorno de personalidade paranoica (ou paranoide) são desconfiadas e propensas a explosões de fúria ou agressividade.
Indivíduos paranoides podem ser ciumentos, secretos e intrigantes, com o comportamento emocional “frio” ou excessivamente sério. Segundo o Guia Americano de Doenças Mentais (DSM), pessoas com transtorno de personalidade paranoica podem apresentar dúvidas quanto à lealdade de amigos ou colegas, com suspeitas infundadas de estarem sendo explorados, maltratados ou enganados por terceiros.
Além disso, têm relutância em perdoar insultos e aceitar elogios. Podem ser caracterizados ainda por terem suspeitas recorrentes quanto à fidelidade do cônjuge ou parceiro sexual.
Transtorno de personalidade esquizotípica
Pessoas diagnosticadas com esse transtorno podem ter maneiras incomuns de falar ou se vestir. São indivíduos que têm dificuldade em manter relacionamentos saudáveis, com crenças e comportamentos que não são compartilhados em seu contexto social.
Indivíduos com personalidade esquizotípica também têm pensamentos inusitados ou paranoicos, com dificuldade em formar relacionamentos e extrema ansiedade diante de situações sociais. São pessoas que tendem a declarar ter “habilidades extrassensoriais”, como ver o futuro ou ler a mente de outras pessoas.
Transtorno de personalidade antissocial
Pessoas com esse transtorno ignoram as regras normais de comportamento social. São impulsivos, irresponsáveis e insensíveis. São marcadas por um histórico de dificuldades legais, com comportamento irresponsável, relações agressivas e até mesmo violentas. Costumam apresentar um alto risco de abuso de substâncias, em especial o alcoolismo.
O transtorno de personalidade antissocial é comum entre indivíduos no início da vida adulta (a partir dos 18 anos). Segundo o DSM, pessoas com transtorno de personalidade antissocial têm dificuldade em conformar-se às normas éticas e legais, com a execução repetida de atos reprovados socialmente ou criminosos.
São indivíduos que podem apresentar comportamento impulsivo e incapacidade em seguir planos traçados para o futuro. Têm histórico constante de hostilidades, com episódios de lutas corporais ou agressões verbais violentas. A ausência de remorso e comportamento manipulativo também são característicos desse distúrbio.
Transtorno de personalidade borderline
Indivíduos diagnosticados com o distúrbio borderline são instáveis em diversas áreas, entre elas as relações interpessoais, comportamento, humor e autoimagem. São caracterizados por alterações extremas de humor, com uma autoimagem flutuante e relações interpessoais tempestuosas.
Além disso, são imprevisíveis e autodestrutivos, que geralmente têm grande dificuldade em manter um senso de identidade própria. Medo de abandono, dependência excessiva e automutilação são alguns dos comportamentos percebidos em borderlines, bem como sentimento de vazio crônico e rompantes de raiva sem fundamento e muitos borders recorrem ao uso de álcool e drogas como forma de lidar com a sensação comum de vazio interior.
Transtorno de personalidade narcisista
Pessoas com o transtorno de personalidade narcisista buscam atenção constante e apresentam uma sensação exagerada de autoimportância. Por isso, a personalidade narcisista é hipersensível ao fracasso, com mudanças de humor extremas entre a autoadmiração e a insegurança.
Segundo o Guia Americano de Doenças Mentais, narcisistas são tomados por um sentimento de grandiosidade, com exagero de realizações e talentos. São caracterizados ainda pela exploração de relacionamentos interpessoais, tirando vantagem de outros para atingir seus próprios objetivos. Exigem admiração excessiva, com inveja frequente de outras pessoas, comportamentos e atitudes arrogantes e insolentes.
Transtorno de personalidade evitativa
O transtorno de personalidade evitativa ou de esquiva atinge pessoas hipersensíveis à rejeição. Indivíduos diagnosticados com esse distúrbio não estão dispostos a se envolver com outras pessoas, a menos que estejam certos de uma recepção favorável.
É caracterizado por desconforto social excessivo, timidez, medo de crítica, esquiva de atividades sociais ou de contato interpessoal. Indivíduos com personalidade evitativa podem não ter relações íntimas fora do círculo familiar, ocasionando em frustração pela incapacidade de se relacionar bem com outros.
Transtorno de personalidade dependente
Esse distúrbio é característico de pessoas que apresentam comportamento dependente e submisso. São indivíduos que tendem a confiar que outros tomem decisões por eles. Personalidades dependentes exigem reafirmação excessiva e conselhos, sendo facilmente prejudicados por críticas ou desaprovação.
Pessoas com esse transtorno se sentem devastadas com o término de relacionamentos, por isso têm um medo extremo de rejeição. É um distúrbio diagnosticado com mais frequência em mulheres, com seus primeiros sinais aparecendo na idade adulta precoce.
Transtorno de personalidade compulsiva
Compulsivos tendem a assumir cada vez mais responsabilidades em suas vidas, sendo tomados por um sentimento grande de insatisfação quanto às realizações. São confiáveis, ordenados e metódicos. Apresentam ainda um perfeccionismo exacerbado, sendo inflexíveis a eventuais alterações de circunstâncias.
Indivíduos diagnosticados com o transtorno de personalidade compulsiva são altamente cautelosos, o que dificulta a tomada de decisões e realização de tarefas. Pessoas com personalidades compulsivas se sentem desamparadas diante de eventos imprevisíveis ou que dependam da participação e confiança de terceiros.
Quando alguém com transtorno de personalidade precisa de internação?
Identificar o momento correto de se fazer uma internação é o principal desafio enfrentado por pessoas que convivem com distúrbios de personalidade. Afinal, em que ponto internar?
O médico explica: “O primeiro desafio é se perguntar: o paciente está percebendo seu comportamento, sofrimento ou prejuízos? Ele percebe que precisa de ajuda, e que há necessidade de uma mudança? Se sim, a evolução é mais favorável”.
Segundo o especialista, a psicoterapia é o principal tratamento para transtornos de personalidade, mesmo que complementado por alternativas farmacológicas. “As medicações podem controlar sintomas de ansiedade, depressão, impulsividade e agressividade. Porém, elas não mudam nossa estrutura. Elas serão de grande auxílio, mas não serão tudo”.
Mas qual é a principal abordagem de psicoterapia? “Aquela que o paciente se vincule, que ele não abandona. Aquela que faça sentido para o paciente”, explica Dr. Claudio Duarte. Confira as três abordagens psicoterápicas mais comuns.
Terapia comportamental dialética
Baseada na análise do comportamento, é dividida por 3 estágios:
- alcance de habilidades básicas e definição de metas, com redução de comportamentos que interferem na terapia e na qualidade de vida;
- redução do “estresse pós-traumático” que visa descrever e aceitar interações traumáticas;
- resolução de problemas de vida, com aumento ao respeito próprio e objetivos bem definidos (ex: aumentar a confiança em si, validar suas próprias emoções).
Terapia baseada na mentalização
A mentalização é o processo que ajuda o indivíduo a perceber seus estados mentais e dos outros, explica o médico do Hospital Santa Mônica. “Acredita-se que a recuperação proporcionada por esse processo ajude o paciente a construir habilidades de relacionamento que o auxiliam a regular melhor seus pensamentos e sentimentos”, completa.
Psicanálise/Psicodinâmica
“Essa é uma terapia focada na relação que se estabelece com o terapeuta, chamada de transferência”, conta doutor Claudio. “É como se você construísse uma relação ‘corretiva’ com análise de processos inconscientes e aumento de autoconhecimento”, completa.
Como você pôde observar neste post, os transtornos de personalidade podem ser múltiplos e diversos. Por isso, é importante que haja um acompanhamento profissional durante o diagnóstico, possibilitando que o paciente receba o melhor tratamento possível.
Agora que você conhece os principais transtornos de personalidade, entre em contato com o Hospital Santa Mônica e agende uma consulta com nossos especialistas!