por Ivanilde Sitta
Acumulador Compulsivo
Trata-se de um transtorno psíquico que gera um sofrimento intenso para o portador e, por tabela, para todos que convivem na mesma casa.
O filho já bateu asas e voou de casa e a mãe ainda mantém a primeira roupinha que ele usou ao nascer, acompanhada dos dentes de leite e até dos cadernos dos tempos da pré-escola. Gente assim não se enquadra no perfil do acumulador compulsivo, pois guardar certos bens sentimentais é algo supernormal e até faz bem. Também não é o caso dos colecionadores de selos, discos de vinil ou qualquer outro objeto, já que eles costumam ter o maior zelo pela coleção.
O Transtorno de Acumulação (TA), também chamado de Síndrome de Diógenes, é algo bem mais complexo. O portador dessa desordem psíquica tem um apego muito exagerado a tudo que tem, compra, ganha ou cata na rua e, por outro lado, uma dificuldade imensa em descartar qualquer coisa, inclusive jornais antigos, embalagens vazias e, em casos extremos, até o lixo doméstico e animais.
Não porque ele sinta prazer ou precisa dos objetos – mesmo porque são coisas inúteis e de pouco valor –, mas pelo sofrimento e angústia associados ao desprendimento ou a uma percepção de que precisará deles em algum momento. Não por acaso, armários e ambientes da casa costumam ficar entulhados de tranqueiras e, pior, numa total desorganização e sujeira que impedem a circulação dos familiares pelo espaço.
Ligação Emocional
“A pessoa com diagnóstico de TA coloca valor afetivo às coisas e por isso sente grande dificuldade de se desapegar”, comenta a psicóloga Gisleine Yamada, ressaltando que essa conexão emocional acaba gerando crenças disfuncionais e pensamentos supersticiosos como: se ele jogar fora as quinquilharias do seu time de futebol, acumuladas em caixas corroídas pelo tempo, nunca mais a equipe ganhará uma partida. O mesmo acontece com os demais pertences, tornando-se assim um círculo vicioso.
Embora o transtorno se mostre mais prevalente na meia-idade, não é raro alguns traços de personalidade cumulativa terem acompanhado o portador ao longo de sua vida. Alguns deles mantêm guardados até hoje os holerites de seus salários de 30 anos de trabalho e os canhotos dos cheques usados no meio da montanha de tralha guardada em casa. Se é fácil identificar o comportamento compulsivo, o mesmo não acontece em relação à origem do transtorno.
Ainda não se sabem exatamente as causas do distúrbio, presente em 1,5% a 2,1% da população, percentual que pode ser maior que 6% em idosos. “Porém, há evidências de que tenham relação com traumas emocionais, perdas ao longo da vida e outras dificuldades de ordem psíquica”, destaca Luciana Mancini Bari, médica especializada em saúde mental do Hospital Santa Mônica.
Segundo ela, eventos ligados a problemas financeiros ou conjugais e à aposentadoria podem deflagrar o desenvolvimento da desordem psíquica. Mas, segundo ela, diferente do que muitos possam imaginar, a privação de bens materiais na infância não indica uma predisposição ao distúrbio na idade adulta.
A psicóloga Gisleine diz que hipóteses apontam para falhas na conexão cerebral que coordena algumas funções importantes, como a perda da capacidade de organização, planejamento e execução de tarefas consideradas essenciais na rotina. Com isso, a pessoa reduz a percepção do monitoramento e passa a ter muita dificuldade para tomar decisões simples, como a de descartar objetos inúteis.
Box: Lição de Desapego
Ainda que as causas não sejam claras, algumas terapêuticas têm apresentado resultado positivo no controle do transtorno. Entre elas, a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), que busca desvendar a causa da ansiedade que aciona o gatilho da acumulação, complementada com o uso de antidepressivos. O difícil, porém, é convencer o portador de que ele precisa se tratar, já que a maioria não reconhece seu comportamento como um problema de saúde mental.
Por conta da relutância do paciente em aceitar ajuda, a médica Luciana Bari adianta que o tratamento requer muita habilidade do profissional, que precisa manter uma supervisão contínua de forma a evitar que a pessoa desista da terapia individual ou em grupo. “Também é necessário considerar se há doenças físicas presentes. Após essa etapa, as chances de ajudar o paciente a se libertar do acúmulo serão maiores”, acrescenta.
Conflito em casa
Lidar com um familiar com o TA pode ser missão desgastante, entretanto, a psicóloga observa que os acumuladores compulsivos tendem a se tornar pessoas mais isoladas, principalmente em casos mais severos, pois sentem vergonha da sua própria condição e do aspecto da casa. “Essa situação muitas vezes pode representar vários riscos à saúde das pessoas que vivem em espaços com excesso de objetos ou mesmo animais, como: alergias e infecções frequentes, além de fungos e bactérias, uma vez que o acúmulo dificulta a tarefa de limpar a casa”, ressalta.