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Amor à Vida, desamor aos doentes mentais

A televisão é o maior formador de opinião do Brasil. É por ela – e, muitas vezes, apenas por ela – que milhões de pessoas se informam. É justamente por isso que quem trabalha em televisão, mesmo que em obras de ficção, precisa ter a consciência do impacto que causa no espectador.

Na novela Amor à Vida a personagem Paloma é levada para uma clínica psiquiátrica, como forma de defesa para uma acusação de tráfico internacional de drogas, caracterizando o uso indevido e antiético de um serviço de saúde. Segundo a diretora, a clínica é tradicional e utiliza métodos rígidos, mas a visão que a novela constrói é a de uma clínica psiquiátrica que mais se assemelha a um aparelho de repressão, com pacientes de uniformes azuis, tais quais presidiários, onde os enfermeiros são violentos e não cuidadores.

A personagem, que é médica, alega que não é doente mental e daí inicia-se uma série de desacertos e violências, inclusive com o uso completamente inadequado da eletroconvulsoterapia com um aparelho ultrapassado, peça de museu. A novela mostra uma médica desastrada e com total desconhecimento da ciência psiquiátrica. Para ela quando a paciente diz que não é doente é porque é; qualquer desconfiança é um delírio e não se achar doente é suficiente para a indicação de eletrochoque e sedação.

A clínica psiquiátrica é um hospital como qualquer outro. É um lugar de salvar vidas, de aliviar sofrimentos, onde o paciente é tratado com carinho e respeito. A Psiquiatria é a especialidade médica que mais alcançou avanços no conhecimento científico nos últimos anos.

O psiquiatra é um médico que cada vez compreende melhor os seus pacientes e os beneficia mais. A eletroconvulsoterapia é um método terapêutico eficaz, seguro, internacionalmente reconhecido e aceito, utiliza de alta tecnologia e está regulamentada no Brasil pela Resolução nº 1640/2002 do Conselho Federal de Medicina.

A eletroconvulsoterapia tem indicações precisas e somente é realizada em ambiente próprio, sob anestesia. Nos Estados Unidos, segundo a American Psychiatric Association, são realizadas mais de 100.000 sessões de eletroconvulsoterapia por ano.

Ao acessarmos o PubMed encontramos quase 11.000 publicações científicas sobre a eletroconvulsoterapia. A abordagem feita pela novela é preconceituosa e presta um desserviço a sociedade brasileira porque incrementa e reforça o estigma em desfavor dos doentes mentais, denigre a imagem da Medicina Psiquiátrica, dos médicos psiquiatras e dos demais profissionais que compõem a equipe psiquiátrica. É ofensiva. Um ou dois capítulos da novela, com 46% de audiência, destrói todo o trabalho de três anos da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) para minimizar o estigma dos doentes mentais, das doenças mentais, do psiquiatra e da Psiquiatria.

Por isso, a abordagem feita pela novela é desonesta e irresponsável. Vidas não serão salvas e sofrimentos não serão aliviados, em decorrência do preconceito que estão construindo e que certamente impedirá a busca de assistência psiquiátrica por quem dela necessita.

(Salomão Rodrigues Filho, médico psiquiatra; presidente do Conselho Regional de Medicina de Goiás; diretor da Associação Brasileira de Psiquiatria. Analice Gigliotti, médica psiquiatra; conselheira da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas; vice-presidente da Associação Psiquiátrica do Rio de Janeiro. Antônio Geraldo da Silva, médico psiquiatra; presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria)

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