Diferentemente de um câncer ou de um osso quebrado, um transtorno mental é diagnosticado a partir do comportamento e dos relatos do paciente, e não por um exame físico. Não existe raio-X de esquizofrenia. Mas, na prática, para enganar um psiquiatra é preciso mais do que bons talentos dramáticos. É necessária maestria como diretor, roteirista e ator.
Para desmascarar mentirosos, psiquiatras têm uma ferramenta principal: a boa e velha conversa. Eles partem para perguntas abertas. Assim, o paciente precisa relatar os sintomas com suas próprias palavras e experiências – de nada adianta ler os sintomas no Google. Na hora de detalhar a entrevista, o psiquiatra pode misturar perguntas relacionadas a transtornos opostos ou sintomas completamente improváveis. Com uma entrevista longa, é apenas uma questão de tempo para que ele se contradiga ou mostre um comportamento incoerente com as descrições.
“Você pode estudar as cores e técnicas de Van Gogh”, diz Daniel Barros, professor de psiquiatria forense do Hospital das Clínicas da USP. “Mas quando você faz um quadro, não sai um Van Gogh.” Casos em que a pessoa tenha forjado um quadro de esquizofrenia, a partir do que viu em filmes, acaba sendo detectado devido ao transtorno ser bem diferente do que mostram os filmes. Tem sintomas positivos – alterações das funções normais, como alucinações e delírios – e sintomas negativos – diminuição das funções normais, como falta de motivação, de emoções e isolamento social. Falsários tendem a ignorar os sintomas negativos, que são menos conhecidos.
E, segundo o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, da Unifesp, o que confirma mesmo o diagnóstico de esquizofrenia não são vozes imaginárias ou pensamentos estranhos, mas a forma como a pessoa se vincula afetivamente com os outros.
“Para conseguir imitar isso, o sujeito teria de ser digno de um Oscar”. Na hora de simular sintomas como alucinações, surgem os problemas de atuação. Tal como o mau ator num dramalhão barato, ele acha que quanto mais bizarro o comportamento, mais convincente será. Esforça-se para parecer louco e tomar o controle da entrevista, enquanto pacientes genuínos geralmente relutam em discutir seus sintomas, afirma Phillip Resnik, professor de psiquiatria da Universidade de Cleveland.
Digamos que um falsário relate ter ouvido vozes. Como eram essas vozes? Em casos psicóticos legítimos, elas são bem claras – dá até para saber se são masculinas ou femininas. Ou seja, não existe essa de “não sei” quando o psiquiatra fizer perguntas. De onde vieram? Em 88% dos casos, parecem vir de fora da cabeça, como de objetos, da parede ou do ar.
O que elas dizem? Embora seja comum que a voz dê instruções, raramente elas se limitam a comandos – e normalmente o paciente evita obedecê-las, principalmente se isso trouxer perigo. Então, se vozes de dentro da cabeça tiverem mandado um acusado ir até um banco e roubar dinheiro, dificilmente um psiquiatra acreditará nelas. Junto às alucinações auditivas podem surgir as visuais. Mas nada de flashes, sombras, objetos voadores ou distorções de cores e tamanhos, comuns em alucinações causadas por LSD. Elas são em geral imagens de pessoas em escala normal e em cores. E aí está mais um erro comum de falsários.
“Um réu acusado de roubo de banco disse calmamente ter visto um gigante de vermelho de dez metros derrubando uma parede durante a entrevista. Quando se perguntava a ele perguntas detalhadas, frequentemente dizia ‘Eu não sei’. No final das contas, admitiu que mentia”, escreve Resnik. Para fechar o prêmio de mau ator para o falsário, a psicose não se limita ao que a pessoa pensa. Ela influi em como ele pensa. Uma pessoa em estado psicótico muda abruptamente de assunto, inventa termos, faz uma salada de palavras. Ninguém vai enganar um psiquiatra dizendo de forma clara que está confuso. E para saber as características de confusão mental na esquizofrenia e reproduzi-las é necessário mais um Oscar. Ou então passar três décadas fingindo loucura de manhã à noite.
Por que as pessoas fingem ter um transtorno mental? Esquizofrenia
Por que tentam fingir: inimputabilidade criminal. Sintomas mais comuns: alucinações, delírios, apatia, achatamento de emoções, isolamento social. Tropeços de quem finge: achar que quanto mais bizarro, mais convincente será, e acabar inventando alucinações e delírios muito diferentes dos legítimos. Ignorar sintomas menos cinematográficos, como a apatia e o achatamento de emoções.
Depressão
Por que tentam fingir: aposentadoria por invalidez, auxílio-doença. Sintomas mais comuns: perda de prazer nas atividades, sensação de inutilidade, insônia, ideias de morte ou suicídio. Tropeços de quem finge: dizer que está triste, mas não aparentar a tristeza, ou exagerar num grau que não teria permitido sequer ir até a perícia. Dizer que chora, mas não saber responder direito em quais situações.
Estresse pós-traumático
Por que tentam fingir: aposentadoria por invalidez, auxílio-doença, indenizações. Sintomas mais comuns: imagens de um trauma voltam à mente, o que dispara pânico. Tropeços de quem finge: inventar um trauma trivial demais para causar o transtorno. Não conseguir simular a reação física (o suor, os tremores e a aceleração cardíaca) que vêm com a lembrança.
Déficit de atenção
Por que tentam fingir: conseguir medicamentos que aumentam a concentração. Sintomas mais comuns: comportamento desatento, desconcentrado, pouco persistente, desorganizado, esquecido. Tropeços de quem finge: o psiquiatra pode não receitar estimulantes na primeira consulta e tentar outros tratamentos antes