O Hospital Santa Mônica promoveu mais um encontro dentro do seu Programa de Saúde Mental nas Corporações, com o tema “Saúde Mental e o Futuro do Trabalho”. O evento contou com a mediação de Cris Collina e da médica Dra. Luciana Mancini Bari, especialista em saúde mental corporativa, e teve como convidada especial a Dra. Simone Nascimento – médica, palestrante, consultora, TEDx Speaker, LinkedIn Top Voice em saúde mental e equilíbrio, apresentadora do Canal Futura e conselheira do movimento Mente em Foco do Pacto Global da ONU.
O debate trouxe reflexões sobre como a inteligência artificial (IA), a hiperconexão e a sobrecarga digital estão moldando o ambiente de trabalho e impactando diretamente a saúde emocional das pessoas.
IA: promessa de produtividade, realidade de sobrecarga
Cristina Collina comentou que segundo estudo global do Upwork Research Institute citado no evento, enquanto 96% dos executivos acreditam que a IA aumentará a produtividade, 77% dos funcionários afirmam que a tecnologia trouxe mais carga de trabalho e 40% consideram as demandas além do razoável.
A Dra. Simone Nascimento ressaltou que muitas vezes a IA é introduzida sem treinamento adequado, gerando retrabalho e frustração:
“Algo que poderia economizar horas de dedicação acaba sendo absorvido como mais tarefas. O tempo livre não é usado para viver, mas para trabalhar ainda mais.”
Complementando, a Dra. Luciana destacou que as organizações precisam rever a forma como aplicam a tecnologia:
“A inovação só será benéfica se for acompanhada de investimento em pessoas, capacitação e equilíbrio entre demandas humanas e digitais.”
O medo da substituição pela IA
Sobre a insegurança em relação à substituição de empregos pela inteligência artificial, a Dra. Simone reforçou que esse é um movimento histórico:
“Na Revolução Industrial, também houve medo da perda de trabalho. Hoje, novas profissões estão surgindo e 70% das ocupações de daqui a 20 anos ainda nem existem. Precisamos focar no que só o ser humano sabe fazer: o olhar, o abraço, a empatia e o senso crítico.”
Humanização como diferencial
A Dra. Simone reforçou que, embora a IA seja uma poderosa aliada, a humanização nunca poderá ser substituída:
“A tecnologia pode apoiar, mas o cuidado, a empatia e o olhar atento são insubstituíveis. O futuro do trabalho será sustentável se conseguirmos equilibrar inovação com saúde mental.”
A Dra. Luciana concluiu lembrando que o investimento em prevenção é o melhor caminho:
“Precisamos olhar para o antes, para a profilaxia, para a saúde mental preventiva. Assim, evitamos que os problemas se tornem crises.”
O papel da tecnologia: Hiperconexão e atenção fragmentada
As especialistas também discutiram como a tecnologia intensifica o adoecimento quando não há limites claros. O uso excessivo do celular, notificações constantes, mensagens fora do horário de expediente e a perda das fronteiras entre vida pessoal e profissional são fatores de risco importantes.
A recomendação é estabelecer “zonas de desconexão digital”, remover notificações, praticar higiene do sono e adotar ferramentas de autocuidado como leitura, meditação e contato com a natureza.
“É preciso colocar limites, inclusive digitais. A liderança deve dar exemplo: se o gestor manda mensagens de madrugada, passa ao time a sensação de que todos precisam estar disponíveis sempre.” — reforça a Dra. Simone.
Outro ponto central foi a atenção parcial contínua, condição descrita por neurocientistas e agravada pelo uso excessivo de notificações, aplicativos e redes sociais.
“Hoje raramente conseguimos manter o foco absoluto por mais de cinco minutos. Essa fragmentação gera ansiedade, fadiga, prejuízo do sono e queda de produtividade”, explicou a Dra. Simone.
A Dra. Luciana acrescentou que o impacto se reflete diretamente nas empresas:
“A sobrecarga digital reduz engajamento, aumenta o risco de erros e pode levar ao adoecimento. Precisamos criar ambientes que incentivem pausas e práticas saudáveis.”
Impacto nas crianças e jovens
O debate também destacou a exposição precoce e descontrolada de crianças às telas, alertando para prejuízos cognitivos, sociais e emocionais. A Dra. Simone defendeu maior regulamentação e limites claros de uso:
“O cérebro das crianças precisa ser protegido. Não sabemos ainda o impacto de uma geração que não lê, não escreve e não interage fora das telas.”
Sinais de alerta da sobrecarga digital
Entre os principais sintomas que indicam risco para o equilíbrio emocional e a produtividade, foram destacados:
- Irritabilidade e agressividade;
- Fadiga crônica;
- Problemas de sono;
- Queda de memória, foco e concentração;
- Autodiagnóstico crescente de TDAH, muitas vezes confundindo sintomas de cansaço digital com o transtorno real.
Estratégias práticas para preservar o bem-estar
Ao longo do webinar, foram apresentadas orientações para um uso mais saudável da tecnologia e para o equilíbrio entre vida pessoal e profissional, como:
- Criar zonas livres de celular em casa e no trabalho;
- Estabelecer tempo máximo de uso diário de telas, especialmente para crianças;
- Praticar detox digital regularmente;
- Priorizar sono de qualidade (7 a 9 horas por noite);
- Promover treinamentos corporativos para uso eficaz da IA, com foco em aliviar tarefas e não em sobrecarregar colaboradores.
Lei ou propósito? A mudança de mentalidade
Ao comentar se as empresas realmente estão se abrindo para esse tema, Dra. Simone observou que muitas ainda seguem movidas principalmente pela legislação, enquanto outras já começaram antes por propósito real.
A implementação da NR-1, a Norma Regulamentadora que trata do Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO), teve sua vigência adiada para maio de 2026, com o ano de 2025 sendo dedicado à fase educativa e orientativa para as empresas. A atualização mais recente da NR-1, que entrou em vigor em abril de 2025, prioriza a avaliação e gestão dos riscos psicossociais, como estresse e assédio, exigindo das empresas que implementem um Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) mais abrangente para a saúde mental dos trabalhadores.
“É difícil mudar a mentalidade, tirar a desconfiança dos colaboradores. Mas mesmo quando o movimento começa por obrigação legal, em algum momento as empresas percebem que essa transformação traz ganhos reais. E aí passa a ser por desejo, por entender que faz bem para todos.”
A Dra. Luciana Mancini Bari complementou lembrando que o ambiente de trabalho é central na vida das pessoas. O excesso de pressão, cobranças e metas desumanizadas frequentemente desencadeia burnout, depressão e até tentativas de suicídio.
“A gente passa tantas horas no trabalho que não sobra tempo para se curar fora dele. Então, a cura e a prevenção precisam começar no próprio ambiente de trabalho.”
Estigma, silêncio e consequências
Um dos grandes desafios ainda é o estigma dentro das organizações. Muitos colaboradores deixam de expressar seu sofrimento por medo de serem vistos como fracos ou incapazes. Esse silêncio, abre espaço para estratégias de alívio nocivas:
“Quando as pessoas não encontram apoio no trabalho, buscam aliviar o estresse no álcool, nas drogas, em medicamentos sem controle ou até em jogos, o que pode evoluir para dependência química e comportamental. Depois da pandemia, observamos um aumento expressivo desses casos, reforça Dra. Luciana Mancini Bari.”
Ferramentas práticas para líderes
Para transformar a cultura organizacional, as especialistas destacaram estratégias essenciais:
- Autoconhecimento e inteligência emocional: líderes precisam desenvolver flexibilidade psicológica e autocontrole antes de gerir grandes equipes.
- Comunicação não violenta (CNV): padronizar a forma de dar feedbacks, de modo firme e respeitoso, sem humilhações ou agressividade.
- Cultura de feedback contínuo: clareza sobre objetivos e reconhecimento constante aumentam engajamento e pertencimento.
- Valorização humana: colaboradores precisam se sentir vistos, respeitados e reconhecidos como indivíduos, não apenas como números de performance.
“As pessoas entregam muito mais quando se sentem seguras e respeitadas.” — destacou a Dra. Simone.
O futuro do trabalho: cuidar das pessoas para cuidar dos negócios
O ponto final da conversa foi a visão de futuro. Para as especialistas, o trabalho do amanhã será construído sobre uma base de cuidado e saúde mental.
“O futuro do trabalho passa por saúde mental, melhores relacionamentos, conexão social adequada e produtividade sustentável. É possível, sim, ter resultados e, ao mesmo tempo, uma relação saudável com o trabalho. Ninguém gosta de sofrer, todos querem viver bem. E quando mostramos caminhos, as pessoas aderem.” — concluiu a Dra. Simone Nascimento.
📌 O debate deixou claro: investir em saúde emocional e em liderança acolhedora não é apenas uma tendência, mas uma necessidade urgente para empresas que desejam prosperar de forma sustentável.