Setembro Amarelo - Mês de Prevenção ao Suicídio

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Saúde Mental nas Corporações

Liderança Acolhedora: A Comunicação que Engaja e Potencializa Pessoas

Em um cenário corporativo cada vez mais desafiador, em que a pressão por resultados convive com a crescente necessidade de cuidar da saúde emocional dos colaboradores, ganha força um conceito que parece simples, mas que exige mudanças profundas: a liderança acolhedora.

Esse foi o tema central do webinar promovido pelo Hospital Santa Mônica, que reuniu a jornalista e especialista em comunicação humanizada Glória Vanique, reconhecida como Top Voice no LinkedIn e referência no debate sobre cultura empresarial mais empática.

Com mais de 30 anos de carreira em grandes redações — passando por Band, TV Globo, CNN e Grupo Flow —, Vanique decidiu, aos 45 anos, realizar uma transição de trajetória.

Motivada por sua própria vivência de burnout durante a pandemia, ela escolheu levar para dentro das empresas o que aprendeu em décadas sob pressão no jornalismo: a importância da comunicação clara, da escuta ativa e do respeito à individualidade das pessoas.

“Percebi que a comunicação está entre as principais dores das empresas. E quando falha, não é apenas o processo que sofre: muitas vezes, a saúde mental dos colaboradores é diretamente impactada”, destacou a jornalista.

Comunicação humanizada: da redação às corporações

A experiência em coberturas ao vivo, em que cada segundo importa e imprevistos são a regra, ajudou Vanique a desenvolver o que chama de “improviso consciente”, metodologia baseada em cinco pilares:

  1. repertório,
  2. visão generalista,
  3. escuta ativa,
  4. comunicação positiva e
  5. simplicidade.

Segundo ela, líderes, assim como jornalistas, enfrentam solidão, pressão constante e cobrança por resultados. E, nesse ambiente, é comum que a comunicação se torne truncada, autoritária ou até mesmo inexistente.

“Um líder tecnicamente brilhante, mas incapaz de ouvir, cria desconexão. E comunicação é isso: não é falar para, é falar com”, resume.

Empatia além do clichê

Vanique chama atenção para um ponto sensível: a empatia muitas vezes é entendida como “se colocar no lugar do outro”. Para ela, essa visão é limitada.

“Eu não posso estar no lugar do outro, porque carrego meu próprio repertório de vida. O que posso fazer é acolher e buscar entender sua experiência, reduzindo meus preconceitos e abrindo espaço para outras perspectivas. Isso é ser empático de fato”, explica.

Ao expandir repertórios e diminuir julgamentos, líderes tornam-se mais criativos e acolhedores, capazes de gerar conexões reais com suas equipes. Essa prática, defende, é um antídoto contra ambientes tóxicos e uma ferramenta poderosa para prevenir crises emocionais no trabalho.

Feedback: pequenas doses, grandes impactos

Outro ponto abordado por Vanique foi a importância do feedback constante e construtivo. Em vez de avaliações anuais, muitas vezes carregadas de tensão, ela defende que líderes criem momentos cotidianos de troca.

O segredo, segundo a jornalista, está em mudar a forma de comunicar: em vez de acusações (“você não faz, você não entrega”), adotar um discurso centrado em si mesmo (“eu tenho percebido”, “eu me sinto assim quando isso acontece”). Essa abordagem reduz a defensividade e abre espaço para diálogo genuíno.

“É a diferença entre acusar e convidar para uma reflexão conjunta. Quando isso acontece, a comunicação deixa de ser uma ordem e passa a ser uma ponte”, afirma.

O papel estratégico da escuta

Para Vanique, o maior desafio das empresas é preparar líderes para escutar de verdade. Isso significa presença plena: sem celular, sem e-mails, sem interrupções.

Essa escuta, ressalta, é o ponto de partida para um ambiente de confiança. Sem ela, surgem ruídos, falhas de processos e, inevitavelmente, desgaste emocional.

“A saúde mental nas empresas não começa no consultório. Ela começa no cotidiano da liderança, no jeito como nos comunicamos”, reforça.

Liderança como exemplo

O impacto da liderança acolhedora vai além da relação direta com colaboradores. Para Vanique, o exemplo deve vir de cima. Quando líderes se permitem ser vulneráveis, acolhem críticas e demonstram disponibilidade para aprender, criam uma cultura organizacional mais saudável e resiliente.

Do contrário, os ruídos de comunicação se transformam em um “efeito dominó” que atinge processos, equipes e, em última instância, resultados.

Um caminho sem volta

O webinar mostrou que falar sobre liderança acolhedora não é tendência passageira, mas uma necessidade urgente. Em tempos em que saúde mental e produtividade estão inextricavelmente ligadas, empresas que não investirem em comunicação humanizada correm o risco de perder não apenas talentos, mas também competitividade.

Como sintetizou Glória Vanique:

“Performance sustentável só existe quando há cuidado genuíno com as pessoas. E a comunicação é a chave para construir ambientes de confiança e saúde emocional.”

Burnout, prevenção e cultura organizacional: uma reflexão necessária

“Então, o compliance, que realmente funciona, ajuda bastante, mas não é só essa a solução, né? A gente precisa ter cada vez mais investimento em saúde mental, investimento na profilaxia, no antes. Na prevenção. Porque depois que acontece, aí já o balde transbordou”.

Essa fala traduz bem a lógica do burnout: ele não aparece do dia para a noite. É o resultado de anos de pressão, sobrecarga, assédio e estresse extremo que, aos poucos, corroem o equilíbrio físico e emocional.

Um dia, o copo transborda.

O caminho até o burnout

A jornalista compartilha sua experiência pessoal: “Sempre lidei com estresse. No começo de carreira, fazia reportagens de crimes, chegava muitas vezes antes da polícia. Via cenas pesadas de acidentes e mortes. Assim como médicos e outros profissionais, eu estava constantemente em situações de alta tensão. Somado a isso, as empresas em que trabalhei também tinham casos de assédio. Eu normalizei esse estresse, até acreditar que aquilo era ‘o normal’. Mas não era”.

A virada veio com uma crise de ansiedade inesperada:
“De repente, eu achei que ia morrer. Nunca tinha sentido aquilo. Achei que estava tendo um infarto, fui parar no hospital. Só então percebi que aquele ritmo – acordando às 3h da manhã, sem dormir direito, conciliando filho pequeno, marido trabalhando até tarde e pressão extrema no trabalho – me levou ao burnout. E quando transbordou, transbordou de verdade”.

Em determinado momento, ela precisou até de medicação controlada para conseguir apresentar o jornal.
“Eu não me afastei do trabalho, fui tratando com o carro andando, o que foi muito difícil. Mas se você estiver numa situação dessas, não hesite: se afaste. Preserve sua saúde”.

O processo de recuperação

O tratamento foi longo: anos de acompanhamento médico, terapia e mudanças radicais de estilo de vida, incluindo a qualidade do sono.
“Eu precisei mudar meu ritmo, sair da madrugada e finalmente dormir. Quando fiz isso, nunca mais tive uma crise de ansiedade. Foi um divisor de águas. Além disso, contei com o apoio incondicional do meu marido, o que fez muita diferença para mim”.

Para organizar sua vida, ela criou os chamados Quatro Qs, que hoje compartilha em palestras:

  1. O que não está bom?
  2. O que eu posso mudar?
  3. O que eu quero?
  4. O que eu posso fazer para chegar lá?

“São perguntas que nos ajudam a retomar as rédeas da própria vida, em vez de deixar que a empresa ou as circunstâncias decidam tudo por nós”.

Setembro Amarelo e a importância da escuta

No mês dedicado à prevenção do suicídio, ela faz um alerta:
“Muitas pessoas deixam a bola de neve crescer tanto que chegam à ideação suicida. É fundamental buscar ajuda. Existe luz no fim do túnel – e, quando você sai dele, há uma paisagem incrível te esperando”.

Nesse contexto, destaca o papel do CVV – Centro de Valorização da Vida, cuja base é a escuta ativa.
“Muitas vezes, quem está em sofrimento precisa apenas de escuta e acolhimento. Isso diminui a intensidade do pensamento suicida, que é, na maioria das vezes, momentâneo e circunstancial”.

Pais também têm papel essencial: criar um canal de comunicação aberto e sem julgamento com filhos adolescentes. “Se o jovem sentir que vai ser julgado, ele se fecha. E quando o canal se fecha, os pais perdem o acesso. Escuta e acolhimento salvam vidas”.

IA não é terapia

Ela também chama atenção para o uso crescente da inteligência artificial como substituto da terapia.
“Isso é um risco enorme. A IA foi treinada para concordar, ser simpática. Mas um terapeuta humano não está ali para concordar sempre – está para provocar reflexão, orientar e, se necessário, encaminhar para tratamento. A IA pode ser útil em triagens iniciais, mas sempre precisa haver um ser humano por trás. Ela não substitui psicólogos nem psiquiatras”.

O papel da liderança nas empresas

Outro ponto central é a cultura organizacional. Assédio moral ainda existe, e muitas vezes parte da própria liderança.
“O primeiro passo é o autoconhecimento do líder. Muitas vezes ele reproduz comportamentos tóxicos por insegurança ou traumas pessoais. Isso precisa ser tratado em terapia.

Depois, é essencial abrir canais de comunicação com os liderados, praticar escuta ativa, empatia e feedbacks construtivos. Empresas que investem em saúde mental colhem resultados melhores: funcionários felizes e saudáveis produzem mais; já os doentes, produzem menos – não por falta de vontade, mas porque não conseguem”.

Para que haja real transformação, é preciso mudança de cultura vinda de cima.
“O RH pode trazer dados e indicadores, mas sem o apoio do CEO, nada muda. Quando o CEO é tóxico, o efeito cascata é inevitável. Nesse caso, treinamentos e palestras viram apenas greenwashing, sem impacto real. Mas quando a alta liderança está aberta, o processo acontece – difícil, mas possível”.

O recado final é claro: investir em saúde mental não é custo, é estratégia. Empresas que cuidam de seus colaboradores colhem produtividade, inovação e retenção de talentos.

“Performance sustentável só existe quando há cuidado genuíno com as pessoas. A comunicação humanizada é a chave para construir ambientes de confiança, empatia e saúde emocional”, conclui Vanique.

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