Substância devastadora virou tema do Fantástico após aumento de casos entre jovens da elite; entenda como age no corpo e por que seu consumo preocupa médicos e autoridades
Uma droga conhecida como “ice” tem acendido o sinal de alerta entre autoridades de saúde, especialistas em dependência química e familiares de jovens da classe média alta.
Popularizada entre grupos privilegiados por sua aparência cristalina e promessas de euforia prolongada, o “ice” — também chamado de “crystal”, “meth” ou metanfetamina cristalina — foi tema de reportagem do Fantástico, da TV Globo, que escancarou uma realidade muitas vezes escondida entre muros de condomínios de luxo, festas privadas e até em clínicas de reabilitação ou comunidades terapêuticas.
O que é a droga “ice”?
O “ice” é uma forma cristalina da metanfetamina, uma droga sintética estimulante do sistema nervoso central. Com aparência semelhante a pequenos cristais translúcidos, ela é geralmente fumada em cachimbos de vidro, embora também possa ser inalada ou injetada. É altamente viciante, com potencial de dependência comparável — ou até maior — do que o crack.
Enquanto o crack é produzido a partir da cocaína, o ice deriva da efedrina ou pseudoefedrina, substâncias presentes em descongestionantes nasais. Seu processo de fabricação é mais complexo, e por isso, até pouco tempo, seu consumo era mais comum em países como os Estados Unidos, México e Filipinas. No Brasil, seu uso ainda era restrito — mas isso está mudando.
Por que ficou famosa entre jovens da elite?
Segundo especialistas ouvidos pela reportagem do Fantástico e por profissionais da saúde mental, o avanço do ice entre jovens de classe média e alta se dá por uma mistura de fatores:
- Marketing informal nas redes sociais e boca a boca, com apelos como “não dá ressaca” ou “melhora a performance”.
- Aparente “glamourização” em festas e ambientes frequentados por jovens da elite, que acreditam que podem controlar os efeitos da droga.
- Estigma de que drogas pesadas estão apenas nas periferias, o que leva muitos a subestimarem os riscos.
Há ainda o fator econômico: o ice não é barato, o que limita (ao menos por enquanto) seu alcance popular, contribuindo para seu uso concentrado em camadas mais altas da sociedade.
Como o ice age no cérebro e no organismo?
A metanfetamina estimula intensamente a liberação de dopamina, neurotransmissor responsável pela sensação de prazer, motivação e recompensa. A quantidade de dopamina liberada após o uso da droga pode ser até 12 vezes maior que a de atividades naturalmente prazerosas.
Esse “pico” extremo gera:
- Sensação intensa de euforia
- Aumento da autoconfiança
- Energia exagerada
- Redução da necessidade de sono e alimentação
Contudo, o impacto é brutal. Com o uso contínuo, o cérebro reduz sua capacidade natural de produzir dopamina, levando à apatia, depressão profunda, paranoia, surtos psicóticos e comprometimento severo das funções cognitivas.
Danos para o corpo
O uso do ice está associado a uma série de efeitos colaterais físicos e mentais:
- Aceleração cardíaca e hipertensão
- Insônia e irritabilidade extrema
- Perda de apetite e emagrecimento drástico
- Problemas dermatológicos (feridas que não cicatrizam, coceira intensa)
- Dentes quebradiços e gengivas danificadas (conhecido como “boca de meth”)
- Comprometimento do fígado, rins e sistema imunológico
Em usuários crônicos, é comum observar sintomas de psicose, como alucinações visuais e auditivas, delírios persecutórios e comportamento agressivo — fatores que tornam o tratamento complexo e prolongado.
O risco de dependência
Para Antonio Chaves Filho, psicólogo do Hospital Santa Mônica, o alerta é claro:
“A metanfetamina tem um dos mais altos potenciais de dependência entre as drogas conhecidas, e os danos podem surgir mesmo após poucas semanas de uso regular. Estudos mostram que, após apenas uma ou duas experiências, já é possível observar sinais de fissura e abstinência.”
Além disso, a tolerância se desenvolve rapidamente: o usuário precisa de doses cada vez maiores para obter o mesmo efeito, o que aumenta o risco de overdose, colapso nervoso e morte súbita por parada cardíaca.
Repercussão nas redes e a crítica de Whindersson Nunes
A reportagem exibida pelo Fantástico no último domingo repercutiu também fora dos círculos médicos e acadêmicos. O humorista e influenciador Whindersson Nunes usou suas redes sociais, seu perfil no X (antigo Twitter), para criticar a abordagem do programa, afirmando que a matéria foi “rasa” e ironizando a comparação entre o ice e outras drogas, como a maconha. Para ele, faltou ouvir “um maconheiro” para contextualizar melhor os riscos.
Apesar do tom provocativo, especialistas apontam que a comparação é equivocada e perigosa.
“É importante entender que estamos falando de uma substância com altíssimo potencial de neurotoxicidade, que causa alterações químicas severas no cérebro em curto prazo. Tratar isso como se fosse comparável ao uso recreativo de cannabis é desinformar a população”, explica Chaves.
Embora a liberdade de expressão seja legítima, minimizar os perigos do ice pode contribuir para a banalização do problema e dificultar ações de prevenção e conscientização entre os jovens.
Alerta das autoridades
O avanço do ice tem preocupado médicos, psiquiatras e autoridades de saúde pública. Segundo profissionais do Hospital Santa Mônica, há um aumento expressivo de jovens de classe média alta internados com quadros graves associados ao uso de metanfetamina.
O psicólogo reforça:
“O problema é que o acesso à informação não é suficiente para barrar o consumo quando há glamour, pressão social e ausência de senso de risco. O jovem acredita que pode parar quando quiser, mas não percebe que o cérebro já não responde mais da mesma forma.”
O papel da família e da prevenção
Diante do crescimento do uso do ice, especialistas defendem ações preventivas mais eficazes nas escolas, nas redes sociais e no ambiente familiar. Conversas abertas, informação acessível e o encorajamento ao diálogo sem julgamento são considerados essenciais.
Ao mesmo tempo, é fundamental que o poder público invista em políticas públicas de saúde mental, centros de tratamento especializados e estratégias de enfrentamento das novas drogas sintéticas que chegam ao Brasil.
Se você ou alguém que você conhece está enfrentando problemas com o uso de drogas, procure ajuda profissional. O tratamento precoce salva vidas.