Comunicado: A partir de 1º de novembro, os atendimentos do Centro de Cuidados em Saúde Mental serão realizados no Hospital Santa Mônica em Itapecerica da Serra - SP Saiba mais

Saúde Mental

A vida interrompida de Gérson: como a falta de cuidado, o abandono institucional e o sofrimento psíquico culminaram na tragédia no zoológico da Paraíba

Da infância instável aos diagnósticos tardios e à exposição nas redes sociais, a trajetória de Gérson Machado, 19, revela falhas sucessivas do sistema de proteção e atenção psicossocial no Brasil.

A história de Gérson Machado, conhecido por Vaqueirinho, reconstruída pelo Fantástico (TV Globo), expõe um ciclo de vulnerabilidade que começou na infância e atravessou lares temporários, ausência de apoio adequado, diagnósticos tardios e dificuldade de acesso a cuidados de saúde mental.

Aos 19 anos, Gérson morreu após invadir o recinto de uma leoa no Parque Arruda Câmara, em João Pessoa.
O caso reacendeu debates sobre responsabilidade institucional, políticas públicas e a urgência de ampliar o acesso a tratamento especializado para jovens em sofrimento psíquico.

A Diretora de Qualidade Médica e neuropediatra do Hospital Santa Mônica, Dra. Márcia Hartamann Franco, comenta sobre o assunto e a polêmica que envolve a questão da saúde mental no país, boa leitura!

Infância marcada por instabilidade familiar e ausência de cuidados básicos

Segundo reportagem do Fantástico, Gérson cresceu em um ambiente familiar instável, com histórico de negligência e sucessivas mudanças de residência. Ele passou por abrigos, casas de parentes e períodos de moradia sem referência adulta estável — um cenário que, segundo a literatura científica, aumenta em até quatro vezes o risco de sofrimento mental na adolescência (OMS, 2021).

A falta de presença constante de cuidadores e a ausência de acompanhamento psicológico desde cedo contribuíram para a formação de um quadro de vulnerabilidade crônica, ainda mais acentuado pela carência de políticas efetivas de proteção à infância.

Diagnósticos tardios e impactos no comportamento

De acordo com a reportagem, Gérson recebeu atendimentos pontuais, mas não permaneceu em linha de cuidado contínua. Diagnósticos foram realizados tardiamente e sem acompanhamento estruturado — um problema recorrente no Brasil.
Relatórios recentes mostram que 70% dos transtornos mentais graves começam antes dos 24 anos, mas menos de 20% dos jovens têm acesso regular a acompanhamento (Ministério da Saúde, 2022).

Quando não há continuidade de cuidado, a chance de comportamentos de risco aumenta significativamente, especialmente em jovens já expostos a traumas na infância.

Exposição nas redes sociais e busca por pertencimento

Gérson ganhou visibilidade nas redes sociais através de vídeos que viralizaram. A reportagem mostrou que ele alternava momentos de humor, impulsividade e sofrimento emocional.
Pesquisas do CDC (2023) indicam que adolescentes com histórico de negligência e instabilidade buscam intensamente pertencimento e validação — muitas vezes encontrando nas redes sociais um espaço ambíguo: ao mesmo tempo acolhedor e potencialmente nocivo.

Especialistas alertam que a superexposição, sem suporte familiar e sem orientação psicológica, pode agravar quadros de sofrimento psíquico.

Falhas do poder público e da rede de proteção

O Fantástico mostrou documentos que revelam sucessivas falhas institucionais: notificações mal registradas, encaminhamentos insuficientes e ausência de monitoramento contínuo pelos órgãos responsáveis pela infância e juventude.
Situações como essa não são isoladas: dados do CNJ (2023) mostram que mais de 30% dos jovens em medida protetiva no Brasil não recebem acompanhamento integral de saúde mental, mesmo quando indicado.

Especialistas defendem a criação de fluxos integrados entre assistência social, escolas, saúde e justiça — algo que poderia ter fornecido a Gérson um percurso mais protetivo.

O episódio final no zoológico e a tragédia anunciada

Em dezembro de 2024, Gérson entrou na área restrita de uma leoa no Parque Arruda Câmara. A única fonte sobre o episódio são as reportagens jornalísticas, que apontam que ele foi atacado ao entrar no recinto. Testemunhas relataram que ele aparentava estar desorientado.
A tragédia encerra uma trajetória marcada pela ausência de cuidado integral, pela falta de acompanhamento contínuo e pela negligência histórica no atendimento de adolescentes em sofrimento psíquico.

O que o caso revela sobre o atendimento à saúde mental no Brasil

O caso de Gérson evidencia três fragilidades nacionais:

  1. Falta de continuidade: jovens com sofrimento psíquico frequentemente transitam entre atendimentos isolados.
  2. Atraso no diagnóstico e adesão frágil ao tratamento: especialmente quando há instabilidade familiar.
  3. Rede pública fragmentada: comunicação falha entre saúde, educação, assistência social e justiça.

Para especialistas, a prevenção depende da construção de redes mais sólidas de cuidado, com atendimento psicossocial precoce, equipe especializada e políticas de acompanhamento de longo prazo.

Internação Psiquiátrica Não é Jaula: É Cuidado e Tratamento

A matéria do Fantástico, alerta que o Grupo de Pesquisa e Extensão Loucura e Cidadania (LouCid), ligado à UFPB, enfatiza que casos como o de Gérson não são “episódios isolados”, mas resultado da desestruturação da rede pública de atenção psicossocial.

Para LouCid, o retorno a modelos de internação tradicional — como hospitais psiquiátricos ou manicômios — significa retrocesso às práticas de exclusão, marginalização e institucionalização em massa. Eles alertam para o risco de que a “jaula” da leoa no zoológico seja apenas o símbolo extremo de uma lógica que, historicamente, enclausura pessoas com sofrimento mental, especialmente pobres, negras e periféricas.

No entanto, é fundamental separar o que foi o manicômio — um modelo já abolido no Brasil — da internação psiquiátrica moderna, que é um recurso terapêutico essencial, recomendado pela Lei 10.216/2001 e por todas as diretrizes de cuidado em saúde mental.

A Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) reforça que internar não é isolar, mas proteger e tratar pessoas em sofrimento psíquico intenso, risco de suicídio, surtos psicóticos ou vulnerabilidade grave. Chamar internação de “enjaulamento” é um equívoco que estigmatiza o tratamento, desinforma a população e coloca vidas em risco ao desencorajar famílias a buscar ajuda.

A internação faz parte da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Não é oposta a ela — é um de seus pilares, prevista justamente para quando os serviços comunitários não dão conta da gravidade do quadro. É regulamentada, temporária, supervisionada e orientada por um projeto terapêutico. Não tem relação com práticas manicomiais.

O que gera tragédias como a de Gerson não é a existência de hospitais psiquiátricos, mas a falta de acesso ao cuidado integral: ausência de CAPS suficientes, número reduzido de profissionais, falta de leitos, lacunas no acompanhamento contínuo e falhas na proteção social.

Como o Hospital Santa Mônica pode ajudar

O Hospital Santa Mônica atua há mais de 55 anos na assistência integral em saúde mental e pode oferecer suporte em casos semelhantes por meio de:

  • Avaliação psiquiátrica especializada para crianças a partir dos 8 anos, adolescentes e adultos;
  • Tratamento estruturado para Transtorno por Uso de Substâncias (quando presente);
  • Atenção multidisciplinar contínua, com psiquiatras, psicólogos, terapeutas ocupacionais e equipe 24h;
  • Programas terapêuticos intensivos (PTI) para estabilização emocional;
  • Orientação e acolhimento às famílias, fundamentais em situações de vulnerabilidade;
  • Atendimento para crises agudas, com possibilidade de internação quando necessário e indicado.

O foco é oferecer cuidado seguro, acolhedor e contínuo, reduzindo riscos e construindo novos percursos de proteção para jovens vulneráveis.


FAQ — Perguntas e Respostas

Pergunta: Quais fatores de risco estiveram presentes na trajetória de Gérson?
Resposta: Instabilidade familiar, negligência, falta de acompanhamento psicológico e exposição precoce a ambientes inseguros são fatores amplamente documentados como de alto risco.
Fontes: OMS (2021) — https://www.who.int/

Pergunta: Diagnósticos tardios podem agravar comportamentos de risco?
Resposta: Sim. Quanto mais tarde o diagnóstico e o cuidado contínuo, maior o risco de agravamento dos sintomas.
Fontes: Ministério da Saúde (2022) — https://www.gov.br/saude

Pergunta: O que dizem especialistas sobre jovens em sofrimento psíquico nas redes sociais?
Resposta: A busca por validação pode intensificar comportamentos impulsivos, especialmente em adolescentes vulneráveis.
Fontes: CDC (2023) — https://www.cdc.gov/

Pergunta: Houve falha institucional no caso?
Resposta: Segundo documentos exibidos pelo Fantástico, houve lacunas em notificações e encaminhamentos da rede de proteção.
Fonte: TV Globo, Fantástico (2024).

Pergunta: O que poderia ter ajudado Gérson em sua trajetória?
Resposta: Acompanhamento psicossocial contínuo, suporte familiar e acesso regular a serviços especializados.

Pergunta: Jovens em sofrimento psíquico representam um desafio crescente no Brasil?
Resposta: Sim. Estimativas mostram aumento de até 40% nos quadros de sofrimento mental em adolescentes nos últimos anos.
Fonte: OPAS (2023).

Pergunta: Existe relação entre negligência na infância e comportamento de risco na juventude?
Resposta: Estudos mostram que negligência aumenta significativamente a chance de comportamentos perigosos.
Fonte: OMS (2021).

Pergunta: Como o Hospital Santa Mônica atua nesses casos?
Resposta: Com avaliação psiquiátrica, programas terapêuticos intensivos, manejo de crises, acolhimento familiar e cuidado multidisciplinar contínuo.

FONTES

  • Organização Mundial da Saúde (OMS), 2021.
  • Ministério da Saúde, 2022.
  • Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), 2023.
  • CDC — Centers for Disease Control and Prevention, 2023.
  • Fantástico, TV Globo — reportagem completa (2024).
  • CNJ, Relatório Nacional da Infância e Juventude (2023).

Os dados foram verificados e conferidos com fontes oficiais.

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