Você já ouviu falar de pessoas que se identificam como cães, cavalos, lobos ou outros animais? Esse fenômeno vem ganhando visibilidade, especialmente nas redes sociais, onde indivíduos afirmam se reconhecer não como humanos, mas como “therians” — uma identidade não-humana ligada ao mundo animal.
Mas afinal, o que isso significa? É um transtorno mental? Um estilo de vida? Ou uma forma de expressão? Nesta matéria, conversamos com especialistas, consultamos estudos e explicamos como lidar com o tema com acolhimento e responsabilidade.
O que são os Therians?
O termo therianthropy (do grego therion, animal selvagem, e anthropos, homem) se refere à crença ou sentimento de que uma pessoa possui uma identidade animal, seja espiritual, psicológica ou simbólica.
As pessoas que se identificam como therians dizem sentir-se, em essência, mais próximas de um determinado animal — não por fantasia, mas por identidade profunda.
É diferente de quem se fantasia como animal em eventos, embora os dois grupos possam ter alguma sobreposição. Therians geralmente não estão “brincando” de ser animais; para muitos, isso é uma parte real e central de sua identidade.
Quando isso começou?
Embora o conceito de “homem-animal” exista há séculos em mitologias e crenças indígenas (como xamãs que invocam espíritos animais), o movimento therian moderno ganhou forma nos anos 1990 com o crescimento da internet. Fóruns como o Alt.Horror.Werewolves e comunidades online começaram a reunir pessoas com esse sentimento de identificação não-humana, antes isoladas.
Hoje, com redes sociais como TikTok, Instagram e Reddit, o tema se tornou mais visível — inclusive entre adolescentes.
É um transtorno mental? O que dizem os especialistas?
Não há diagnóstico psiquiátrico específico para a therianthropia no DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais). Muitos psicólogos e psiquiatras classificam esse fenômeno como uma forma de expressão identitária — que pode ou não estar associada a alguma condição clínica.
“Em muitos casos, não é doença. Mas pode ser um sinal de sofrimento psicológico, fuga da realidade ou trauma, especialmente quando o comportamento causa prejuízo à vida social, escolar ou profissional do indivíduo”, afirma a psiquiatra Dra. Carla Mendes, do Hospital Santa Mônica.
Em alguns contextos, a identificação pode estar associada a transtornos dissociativos, esquizotípicos ou ao espectro autista, mas isso não significa que toda pessoa que se identifica como animal tenha um transtorno.
Por que isso acontece?
As causas variam e não há consenso único, mas há algumas hipóteses:
- Necessidade de pertencimento: muitos jovens se sentem desconectados do mundo ou rejeitados, e encontram nas comunidades therians um espaço de acolhimento.
- Fuga da realidade: em contextos de trauma ou sofrimento, a identificação com um animal pode ser uma forma simbólica de proteção.
- Características psicológicas: algumas pessoas relatam ter “instintos” ou comportamentos mais próximos de animais (como sensibilidade ao som, preferência por solidão), e atribuem isso à sua identidade.
- Espiritualidade ou crença pessoal: há quem acredite que sua alma é animal ou que viveu como animal em vidas passadas.
Therians são perigosos? Devem ser tratados?
Não, em geral therians não representam risco para si ou para os outros. O mais importante, segundo os especialistas, é avaliar se há prejuízo funcional ou sofrimento associado.
Apenas quando essa identidade causa isolamento extremo, autonegligência ou sofrimento emocional é que pode ser necessário procurar ajuda profissional. O foco não deve ser ‘curar’ a identidade, mas entender o contexto emocional em que ela surge.
O que pais e amigos podem fazer?
Se você é pai, mãe ou amigo de alguém que se identifica como animal, evite reações de escárnio, negação ou punição. Algumas orientações:
- Ouça sem julgar: muitas vezes, o jovem só precisa ser ouvido. Entender o que ele sente pode abrir caminhos para diálogo.
- Investigue o contexto: houve alguma mudança de comportamento? Há sinais de depressão, ansiedade ou bullying? É importante observar.
- Estimule o equilíbrio: respeite a identidade, mas incentive a convivência social, o contato com a realidade e a busca de sentido para além disso.
- Procure orientação profissional: psicólogos podem ajudar a entender melhor o fenômeno e avaliar se há necessidade de acompanhamento.
Identidade, expressão ou transtorno?
A identificação com animais, quando não traz sofrimento ou prejuízo, pode ser vista como uma expressão alternativa da identidade. Contudo, pais, educadores e profissionais de saúde mental devem estar atentos para casos em que isso sinalize um pedido de ajuda.
“Nosso papel não é julgar, mas acolher e entender. Em uma sociedade diversa e complexa como a nossa, o importante é olhar além do rótulo e enxergar o ser humano por trás da identidade”, finaliza a Dra. Carla Mendes.
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