Desde a infância, temos exames obrigatórios, campanhas de vacinação, acompanhamentos médicos regulares e outras medidas preventivas para assegurar nossa saúde.
Mas essa saúde frequentemente se restringe ao físico e negligencia nossos aspectos emocionais, relacionados à saúde mental de cada um de nós. Uma criança é ensinada a lavar as mãos antes das refeições, mas não é encorajada a falar por que quis bater no coleguinha da escola. Um jovem é tratado de uma gastrite durante o pré-vestibular, mas não tem o mesmo estímulo a buscar ajuda por estar pensando em se matar – “não fala essas coisas, credo”.
Depressão e ansiedade têm se tornado cada vez mais assíduas, seja em países ricos ou pobres – o número de pessoas sofrendo com elas aumentou de 416 milhões para 615 milhões entre 1990 e 2013, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Mas a saúde mental não se restringe a transtornos ou a doenças mentais. Ela diz respeito ao nosso modo de estar no mundo, às nossas relações com as outras pessoas e à nossa postura perante o mundo em que vivemos. Tem a ver com sofrimento tanto quanto com felicidade.
A impossibilidade de se manter um diálogo no Facebook porque os argumentos contrários se transformam em ofensas tem a ver com a nossa convivência com o outro e a com a diferença, assim como a intolerância ao voto de quem escolheu um candidato diverso do nosso. O sentimento de desconfiança de instituições como a Justiça tem a ver com o reconhecimento e aplicação da lei – como fica isso diante da corrupção e da impunidade? O enfraquecimento dos laços amorosos e um sistema que define sucesso pelo consumo e pela acumulação também dizem respeito aos sujeitos no mundo. O valor dado às horas trabalhadas em detrimento da qualidade do que se produz evoca angústias inimagináveis. Falar de saúde mental, é portanto, falar de dia a dia, de convivência.
É falar de normalidade, mesmo quando tudo parece sugerir loucura. É sustentar as contradições humanas da maneira como aparecem – desconcertantes, sem aviso prévio, sem compreensão imediata. É respeitar os sujeitos pela história singular de cada um, e pensar que cada um enfrenta batalhas muito particulares na vida, recorrendo a diferentes ferramentas. É acolher em vez de excluir, principalmente na atualidade, quando grupos de pessoas “iguais” se fecham em uma redoma de falsa segurança.
A saúde mental permanece estigmatizada no Brasil e no mundo: nos casos em que há transtornos, a tendência é esconder ou ignorar o problema, inclusive dentro da família. Neste silêncio, casos se agravam e pessoas deixam de buscar ajuda.
Especificamente no caso brasileiro, vivemos a aplicação da lei que determinou o fim dos manicômios e um novo desafio pela frente: é preciso que municípios, estados e governo federal deem vida à legislação e desenvolvam estruturas de atendimento, invistam em centros de acompanhamento multidisciplinar e capacitem profissionais para acolher e atender os pacientes que não mais podem ficar internados em instituições.
Fonte: Brasil Post