por Heloísa Noronha para Revista Viva Bem – UOL
Terror é um gênero cinematográfico que se divide em outros subgêneros, como o sobrenatural, o psicológico e o slasher, em que psicopatas cometem crimes bizarros, muitas vezes aleatoriamente, e o sangue jorra abundantemente. Muitas pessoas fogem desse tipo de produção, outras optam por fechar os olhos nas cenas mais horripilantes e há aquelas que não só se divertem, mas relaxam enquanto assistem. É como se fossem submetidas a uma espécie de faxina mental entre um susto e outro.
Para entender o que acontece com esses espectadores, VivaBem conversou com especialistas que levantaram algumas possibilidades. A primeira é que o cérebro dessas pessoas pode ser “insensível” aos sustos. “Seja por predisposição natural ou por hábito, pessoas que se acostumam com os filmes de terror possuem o sistema límbico dessensibilizado para um tipo de estímulo que geralmente provoca repulsa na maioria pessoas”, explica Fernando Gomes, médico neurocirurgião, neurocientista e professor livre docente de neurocirurgia do HCFMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).
Segundo ele, quando se cria este costume, as amígdalas cerebrais “disparam” menos e, consequentemente, provocam menos reações que são associadas ao medo e ao pavor, como ansiedade, aumento da frequência cardiorrespiratória, dilatação das pupilas, ressecamento da boca, tremores e piloereção (pelos arrepiados). De acordo com esse argumento, as pessoas que são capazes de se manterem tranquilas diante de sequências com Michael Myers, o vilão de “Halloween”, ou das armadilhas de Jigsaw, da franquia “Jogos Mortais”, provavelmente apresentam menor atividade da amígdala.
Já o neurocientista Nicolas Cesar, pesquisador do Laboratório de Cognição Humana da UFABC (Universidade Federal do ABC), pontua que a individualidade é um fator muito importante a ser considerado. Os cérebros humanos variam bastante de indivíduo para indivíduo e isso produz uma vasta gama de possíveis reações a um mesmo estímulo, como, por exemplo, um filme de terror.
“O contexto e histórico de vida de cada um importa muito também. Pode ser que algo que me assuste hoje não seria tão assustador se fosse apresentado daqui a uns anos, ou mesmo se tivesse sido apresentado ontem”, diz. A resposta depende das experiências passadas gravadas na memória, do estado emocional ao assistir ao filme, do contexto e temática da produção e atividade do cérebro.
Cesar diz que a personalidade também impacta na atração ou aversão pelo perigo, assim como a cultura, pois certos elementos dos filmes de terror podem ser mais representativos de crenças da sociedade que se associam mais fortemente ao medo.
Filmes assustadores podem provocar sensação de controle sobre sentimentos
Outra explicação seria a de que essas pessoas têm uma sensação maior de controle sobre os próprios sentimentos ao assistirem a esses filmes. “Os filmes provocam sensações ameaçadoras, mas as pessoas podem enfrentá-las num ambiente seguro, como suas casas e salas de cinema, e ao lado de outros indivíduos passando pelas mesmas situações. Essa ‘segurança’ favorece a sensação de controle sobre tais sentimentos, o que acaba por trazer alívio, após essa exposição”, indica Luciana Mancini Bari, médica com foco em saúde mental do Hospital Santa Mônica, em São Paulo (SP).
Essa satisfação faz com que alguns neurotransmissores sejam produzidos pelo cérebro, principalmente a dopamina, gerando prazer. “Elas curtem vivenciar a experiência porque sentem emoções primárias, como medo e ansiedade, mas também o bem-estar e o prazer ao final”, comenta Yuri Busin, psicólogo e doutor em neurociência do comportamento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e diretor do Casme (Centro de Atenção à Saúde Mental), em São Paulo (SP).
Por esse motivo, os filmes de terror podem ajudar a aliviar o estresse e a ansiedade da vida real, ainda que temporariamente, porque conduzem a imaginação para um cenário tenso que rapidamente se desfaz ao se confrontar com a realidade. Não é à toa que adolescentes de todas as épocas —”cringes” ou não — costumam ser fissurados por filmes de terror. Na vida real, eles têm que enfrentar diversas mudanças físicas, emocionais, sociais e psicológicas que acabam gerando inseguranças, angústias e receios que exigem muito a capacidade de enfrentamento das dificuldades.
“Um filme de terror pode reproduzir esses medos e até reações físicas como taquicardia e sudorese, só que ao mesmo tempo provoca também a sensação de que a pessoa é capaz de suportar e de lidar com as demandas com mais segurança e controle”, aponta Bari. Isso traz alívio psicológico e gera a necessidade de repetir a experiência. “Talvez, por isso, há grande atração de adolescentes por esses tipos de filmes”.
Em “Why Horror Seduces” (Por que o terror é sedutor, em tradução livre), de 2017, Mathias Clasen, diretor do Laboratório do Medo Recreacional e professor associado de literatura e meios de comunicação na Universidade Aarhus, na Dinamarca, defende a ideia de que experiências de medo controlado, como assistir a filmes de terror, podem produzir efeitos positivos em estratégias de enfrentamento ajustadas.
Isso justificaria o resultado de um estudo realizado em 2020 com 310 participantes e publicado na revista Personality and Individual Differences que mostrou que fãs do gênero têm se sentido muito melhor emocionalmente durante a pandemia de covid-19 do que os não apreciadores do gênero. Para Clasen, o cinema assustador leva as pessoas a aprenderem sobre o próprio medo a regularem as emoções.
Matéria publicada pela Revista Viva Bem do UOL