A esquizofrenia afeta a vida de 1% da população mundial. Um grupo de médicos brasileiros acompanha a saúde mental de 3 mil voluntários para tentar descobrir, na infância, quem pode desenvolver a doença no futuro.
O psiquiatra Rodrigo Bressan, professor da Unifesp e sua equipe tentam encontrar o “colesterol” da esquizofrenia. A ideia de prevenir a esquizofrenia é relativamente nova na história da psiquiatria. Os trabalhos mais promissores começaram a aparecer no final dos anos 1990. Muitos deles vinham da Austrália, do laboratório da professora Alisson Yung. O que Yung e outros cientistas perceberam foi que os primeiros sinais da esquizofrenia surgiam antes do primeiro surto.
Os pacientes como Anderson, com esquizofrenia diagnosticada, relatavam ouvir vozes anos antes. Seu quadro, segundo os próprios relatos, se agravava com o tempo: de início, a pessoa se sentia paranoica, por exemplo. Achava que alguém no trabalho queria prejudicá-la. Aos poucos, a leve suspeita se transformava em certeza, e crescia em gravidade até virar o centro da vida da pessoa.
Bressan é um homem de meia idade e calva generosa. Fala entremeando suas ideias com palavras em inglês. Um projeto de pesquisa bem feito tem um desenho “unique”. Revistas científicas de renome são “super cool”. Sentado à mesa de seu consultório, no bairro paulistano do Itaim Bibi, não disfarçava seu entusiasmo: “O raciocínio da psiquiatria era o do tratamento. Nós esperávamos a pessoa adoecer para tratar”, diz. “Hoje, nós temos consciência de que a doença acontece ao longo da vida”.
Para explicar a esquizofrenia, Bressan usa a metáfora do infarto. Um surto psicótico e um ataque cardíaco têm pontos em comum. Ambos costumam pegar as pessoas de surpresa. A razão para eles acontecerem, no entanto, os precedem em muitos anos. Uma pessoa enfarta, entre mais de uma razão possível, porque acumulou gordura em suas artérias. Nesse processo, pesaram seus hábitos – se ela se alimentava bem, se ela fazia exercício – e sua carga genética.
A lógica do surto psicótico é semelhante. “As alterações cerebrais, que provocam o surto, vão ocorrendo ao longo da vida”, diz Bressan. A esquizofrenia é resultado de uma associação de pontos- contra, que se acumulam conforme a pessoa envelhece. O primeiro deles é genético. Ter pais ou parentes próximos com o transtorno não significa que você vá desenvolver a doença, mas representa algum risco.
Ao longo dos anos, conforme envelhecemos, nossos cérebros mudam. Algumas estruturas crescem, outras diminuem. Esse processo de amadurecimento saudável pode ser afetado pelo ambiente. Estresse, abuso sexual, uso de drogas na adolescência, desnutrição e uma sequência de outros fatores podem fazer o cérebro desviar do que os médicos chamam de “trajetória ideal de desenvolvimento”.
A susceptibilidade de uma pessoa a esses estímulos é definida pela interação de centenas de genes. O acúmulo de alterações cerebrais, com o tempo, provoca o transtorno. “Hoje, entendemos a esquizofrenia como uma doença do neurodesenvolvimento”, diz Bressan.
O problema é que, por enquanto, a ciência não conhece exatamente qual a trajetória ideal do desenvolvimento cerebral. Nem sabe, com certeza, quais os sinais indicativos de que o cérebro saiu da estrada certa – e precisa de tratamento para evitar maiores problemas.
A ciência também não sabe como tratar esse cérebro errático. São muitas lacunas. A equipe chefiada por Bressan tenta preencher todas elas. O grupo que Bressan lidera reúne pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Federal do ABC (UFABC), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP). Seu trabalho inclui seguir, por anos a fio, a saúde mental de cerca de 2.800 voluntários.
Essas pessoas vivem fases diferentes da doença, ou não a desenvolveram. Algumas têm a esquizofrenia já estabelecida, como Anderson. Outras, sofreram há pouco o primeiro episódio psicótico, ou estão em risco para o desenvolvimento do transtorno. A ideia é entender quais as diferenças entre o organismo saudável e o doente.
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