No dia 25 de novembro, o mundo — e o Brasil — marca o Dia Internacional da Não Violência Contra a Mulher, data instituída para lembrar e denunciar a gravidade da violência de gênero nas suas múltiplas formas: física, psicológica, sexual, econômica, simbólica. O foco aqui é: saúde sênior da mulher, impacto da violência na saúde mental – medo, fobia, pânico – e o cenário brasileiro de feminicídio.
O cenário do feminicídio no Brasil
- Segundo o relatório divulgado pelo Mapa da Segurança Pública, em 2024 foram registradas 1.459 vítimas de feminicídio no Brasil — um aumento de 0,69% em relação a 2023.
- A taxa nacional permanece em torno de 1,34 caso por 100 mil mulheres.
- A Região Centro-Oeste registrou a maior taxa: 1,87 por 100 mil mulheres.
- O país ocupa a quinta posição mundial em taxa de feminicídio, com cerca de 4,8 homicídios de mulheres por 100 mil habitantes em estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS).
- Ainda segundo levantamentos, em 2024, 63,6% das vítimas eram negras, e 70,5% tinham entre 18 e 44 anos. Oito em cada dez mulheres foram mortas por companheiros ou ex-companheiros, e 64,3% dos crimes ocorreram dentro de casa.
- É importante ressaltar que as estatísticas oficiais podem subestimar o real volume de casos — denúncias são muitas vezes silenciadas ou não qualificadas como feminicídio.
Esses números revelam não apenas a letalidade extrema da violência de gênero, mas também sua íntima relação com o ambiente doméstico, a desigualdade racial e de faixa etária, e a persistência de padrões culturais de domínio e misoginia.
Violência de gênero e consequências para a saúde mental da mulher
A violência contra mulheres — física, sexual, psicológica — não deixa apenas feridas visíveis: seus efeitos se estendem profundamente à saúde mental, com repercussões para o envelhecimento e a saúde sênior.
Alguns achados relevantes:
- Um estudo nacional mostrou que ser vítima de violência no Brasil eleva cerca de 3,8 vezes o risco de depressão, após controle por fatores socioeconômicos.
- Em pesquisa focada no período da pandemia, entre mulheres no Brasil, a prevalência de violência de parceiro íntimo foi de 33,3%, depressão em 36,1% e ideação suicida em 19,8%. A violência multiforme elevou ainda mais os riscos.
- Examine-se também o impacto físico-psicológico: em estudo com mulheres violentadas, as principais queixas foram cefaleia, náusea, sentimento de insegurança, estresse, depressão, dificuldade de estabelecer novas relações.
- A revisão sobre saúde mental aponta que mulheres em situação de vulnerabilidade que sofreram violência têm mais probabilidade de usar álcool ou drogas, de ideação suicida, de transtornos comuns.
Para mulheres mais velhas, essas repercussões podem ser ainda mais graves. A violência acumula efeitos: deterioração funcional, isolamento social, agravos à saúde crônica (como hipertensão, diabetes) somam-se ao impacto psicológico.
O medo constante, sensação de vigilância, fobia social e ataques de pânico gerados pela violência (ou pela ameaça dela) interferem na qualidade de vida, no sono, na cognição e no envelhecimento ativo.
Por que o medo, a fobia e o pânico se estabelecem
A violência de gênero provoca uma sequência de fases emocionais/psicológicas que podem evoluir para fobia, pânico ou transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), especialmente em contextos de repetição ou impunidade. Vejamos as dinâmicas:
- Medo e vigilância constante
A mulher vítima (ou em risco) desenvolve um estado de alerta permanente: reforço do sistema nervoso simpático, aumento da tensão muscular, hipervigilância. Isso consome recursos físicos e mentais. - Fobia social ou domiciliar
O ambiente doméstico, que deveria ser seguro, torna-se fonte de ameaça. Isso pode gerar fobia de sair ou de retorno ao lar, temor de visitas inesperadas, receio de agressões — situações que limitam mobilidade, convívio e autocuidado. - Ataques de pânico
Diante de estímulos que remetam à violência (um barulho, discussão, olhar agressivo), pode haver ativação súbita de pânico: palpitações, sudorese, falta de ar, sensação de morte iminente. Esses quadros agravam a trajetória da saúde mental. - Ciclagem crônica e envelhecimento
O estresse repetido, o trauma acumulado, comprometem o sistema imunológico, favorecem doenças cardiovasculares, pioram o sono, aceleram o envelhecimento biológico. Em mulheres idosas ou em fase sênior, esse acúmulo de dano é particularmente crítico.
Repercussões para a saúde sênior e envelhecimento
Para as mulheres que atravessam os 50, 60 anos e adiante, a violência vivida — ou o estigma do trauma — reverbera de forma multifacetada:
- Comprometimento psicológico: depressão, ansiedade, fobia, pânico, TEPT — que por vezes não são adequadamente identificados nessa faixa etária.
- Deterioração funcional: dores crônicas, alterações no sono, maiores quedas, isolamento — todas vinculadas a ambientes inseguros ou externos à sensação de segurança.
- Vulnerabilidade social acrescida: mulheres mais velhas podem depender financeiramente ou socialmente de agressores, ou ter redes de apoio fragilizadas. Isso amplia o risco de negligência, de revitimização, de isolamento.
- Força da invisibilidade: quando a violência não resulta em feminicídio, permanece “subterrânea”: relatos, marcas psicológicas, sequelas físicas. Essas mulheres muitas vezes não acessam serviços adequados de saúde mental ou atenção específica.
- Impacto na rede de saúde: os sistemas devem estar aptos a reconhecer que mulheres que apresentam queixas como dor crônica, insônia, transtornos de humor, podem ter histórico de violência de gênero — e compreender a necessidade de abordagem integrada.
O papel da atenção à saúde: da prevenção ao cuidado
Para enfrentarmos esse desafio, é necessário que a saúde — em especial a geriatria, a saúde mental, a atenção primária — participe ativamente em três eixos principais:
- Identificação precoce: profissionais de saúde devem ser capacitados para reconhecer sinais de violência (diretos e indiretos), questionar com sensibilidade e garantir acolhimento. Estudos apontam que sistemas de saúde no Brasil ainda estão em processo de melhoria nesse aspecto.
- Intervenção e continuidade: não basta tratar o sintoma (ansiedade, insônia, depressão). O cuidado deve incluir encaminhamento a redes de proteção, estratégias de segurança, acompanhamento psicológico e social.
- Prevenção e cultura: é fundamental que políticas públicas — leis, redes de atendimento, campanhas — sejam reforçadas. A tipificação do feminicídio no Brasil (Lei 13.104/2015) é um avanço, mas sua aplicação ainda encontra entraves.
Desafios e caminhos para o futuro
- A persistente subnotificação e invisibilidade dos casos de violência contra mulheres. Mulheres mais velhas, em especial, podem não denunciar por receio, dependência, ou ainda ajustes culturais.
- A multiplicidade de fatores: desigualdade de gênero, racismo, pobreza, exclusão digital/social, machismo estrutural — todos agem em sinergia alavancando o risco de violência e seus efeitos.
- A necessidade de dados mais robustos e contínuos: para que políticas de saúde pública, programas de atenção à saúde seniores e de saúde mental sejam eficazes, é exigido um mapeamento fino da violência contra mulheres em todas as idades.
- A promoção de rede de proteção integrada que abranja não apenas jovens ou adultas, mas também aquelas em idade sênior — considerando suas especificidades (por exemplo, isolamento comunitário, aposentadoria, perda de cônjuge).
- A conscientização contínua de que a violência de gênero não é “problema de polícia apenas”: é problema de saúde pública, de promoção de envelhecimento saudável, de qualidade de vida.
No 25 de novembro, mais do que lembrar uma data simbólica, cabe à sociedade — e com urgência — refletir sobre as vidas que se perdem, os traumas que se acumulam, a dor silenciosa de mulheres que vivem sob a sombra da violência. Para as mulheres em fase sênior, os impactos são ainda mais profundos: o pânico, a fobia, o medo constante alimentam um ciclo de adoecimento que exige atenção especializada.
Tanto o sistema de saúde quanto as políticas públicas precisam estar preparadas para acolher, tratar, proteger e, acima de tudo, prevenir. Porque nenhuma mulher deveria viver com o terror latente de que sua condição de gênero seja um risco à sua própria vida ou saúde mental.