Erika Linhares, com mais de 20 anos de experiência em cargos executivos e fundadora da B-Have, abriu a conversa realizada com profissionais do Hospital Santa Mônica, com um alerta: o burnout está sendo tratado de forma simplista, quando na verdade é resultado de um contexto complexo e multifatorial. Segundo ela, não se trata de procurar vilões, mas de entender que todos — empresa, líderes, colaboradores e governo — são corresponsáveis.
Ela destacou que a pandemia foi um divisor de águas. “A casa virou empresa e a empresa virou casa. O líder teve que entender a perda de entes queridos, a falta de creche, a sobreposição de papéis. Algo que nunca foi exigido antes das empresas”, explicou. Nesse cenário, surgiu a terceirização da responsabilidade emocional: colaboradores passaram a esperar que a empresa resolvesse suas dores pessoais, enquanto os líderes se viram sobrecarregados emocional e operacionalmente.
Outro ponto crítico citado por Erika foi o conflito de crenças e gerações dentro das organizações. “Hoje, discussões de direita e esquerda, gênero, raça e orientação sexual invadem o ambiente corporativo de forma pouco construtiva. A empresa precisa ser um ambiente de respeito e entrega, e não um palco para disputas pessoais”, afirmou.
A especialista também chamou atenção para a idealização das relações humanas. “Querem líderes perfeitos, empresas perfeitas, filhos perfeitos, relacionamentos perfeitos… Isso não existe. Essa expectativa irreal adoece”, reforçou.
Ganhar é de todos
Para Erika, uma empresa saudável é aquela onde todos ganham — o dono, o líder, o colaborador, o cliente e a comunidade. “Se um negócio só dá lucro quando massacra pessoas ou sonega impostos, ele não pode existir. A sustentabilidade de um negócio vem do jogo de cinco Ws: todos precisam ganhar”, defendeu.
Ela ainda enfatizou o papel do líder como “sanduíche” entre a pressão por resultados e a demanda emocional dos times. E questionou a romantização da liderança: “Liderar não é glamour, é responsabilidade. Se você não gosta de pessoas, não deve liderar.”
Responsabilidade compartilhada
A conversa abordou também o papel do colaborador nesse ecossistema. Erika foi enfática ao afirmar que qualidade de vida não se dá — se conquista. “Quando terceirizo minha felicidade à empresa ou ao outro, estou abrindo mão da minha autonomia. Todo mundo tem medo, mas é preciso aprender a enfrentá-lo.”
Ela criticou ainda a cultura do vitimismo nas redes sociais. “Transformam o colaborador em vítima e o gestor em vilão, criando uma narrativa que enfraquece os dois. Heróis vendem consultorias, mas não fortalecem pessoas. Quem ama de verdade fala o que precisa ser dito para que o outro cresça.”
Liderança que adoece e que cura
Erika classificou os tipos de liderança mais comuns: o líder bonzinho, o opressor e o chato. Segundo ela, os dois primeiros são igualmente nocivos: o bonzinho por não colocar limites e o opressor por liderar com base no medo e insegurança.
“Aceitar um cargo de liderança só por status ou salário é um erro. É um cargo de confiança, que exige ética, maturidade e habilidade para desenvolver pessoas. Sem isso, o líder se torna sabotador do sistema e, muitas vezes, vítima do próprio burnout.”
Saúde Mental no ambiente corporativo
No atual cenário empresarial, falar sobre saúde mental vai muito além de distribuir bombons na mesa do colaborador ou criar uma “sala do pingue-pongue”. Segundo a especialista em comportamento corporativo Érika Linhares, isso não tem nada a ver com o que realmente promove saúde psicológica nas organizações.
“Saúde emocional não vem de líderes bonzinhos que fazem frases de efeito. Vem de um ambiente organizado, com ordem e coerência. Assim como em casa: sem rotina, sem previsibilidade, a mente adoece”, afirma Érika.
Ela alerta que muitas empresas ainda confundem ações cosméticas com bem-estar real. Criam projetos apenas para “lacrar”, ganhar prêmios ou entrar na onda do momento, sem considerar a cultura real da organização. “Não é para parecer. É para ser”, resume.
Transparência, coerência e execução: o tripé da saúde mental
Segundo Érika, oferecer um ambiente psicologicamente seguro passa por três pilares:
- Transparência: não prometer o que não se pode cumprir. “Prometer pouca pressão em um varejo com margem apertada? Mentira. Vai ter pressão. O importante é ser honesto desde o processo seletivo.”
- Coerência: empresas precisam de metas possíveis, de planos estratégicos bem construídos, e de líderes capacitados para lidar com pessoas. “Uma meta inalcançável adoece. Uma meta frouxa quebra a empresa.”
- Poder de execução: colocar a pessoa certa no lugar certo, treinar, acompanhar, e criar um ecossistema funcional. “Quando a empresa funciona, as pessoas se sentem parte de algo que dá certo. E isso engaja.”
O papel do RH: menos palco, mais entrega
Érika também aponta problemas estruturais dentro dos departamentos de RH: “Tem muito RH que não tem autonomia. O CEO não ouve. Ou então, querem ganhar prêmios, mas sem entregar o que a empresa realmente precisa”.
Ela defende que o RH deve ser parceiro da operação, próximo da área financeira, de vendas, e das reais dores da organização. “RH não é criador de cultura. É defensor da cultura que já está ali. Precisa conhecer o business. Não dá para forçar um modelo da Natura na Casas Bahia. Não vai funcionar.”
Contratação e retenção: técnica, não modismo
A especialista reforça que contratar bem exige entendimento profundo do negócio: “Não adianta contratar um atendente para uma área de vendas. Ele não vai bater meta e vai sofrer.”
Já na retenção, o RH precisa olhar para dois aspectos:
- Salário justo, dentro da média de mercado e com possibilidade de evolução.
- Salário emocional, que hoje tem tanto peso quanto o financeiro: “As pessoas trocam dinheiro por qualidade de vida. Mas qualidade de vida não é bombom. É ter processos claros, ferramentas adequadas e metas viáveis”.
Sem estrutura, até mesmo o melhor profissional se desgasta: “No setor público, por exemplo, médicos enfrentam burnout porque não têm os recursos necessários. O problema é técnico, e RH tem que atuar nisso.”
Cultura organizacional: nem certa, nem errada — necessária
Para Érika, não existe cultura ideal. Existe a cultura instalada. E cabe ao RH entendê-la e defendê-la. “Você não inventa cultura. Ela vem da prática, do dia a dia. E muda de área para área. RH tem que ser guardião disso.”
Autoestima e produtividade: a verdadeira terapia do colaborador
Nos momentos finais da sua fala, Érika sintetiza tudo:
“Não existe nada mais terapêutico para um colaborador do que conseguir exercer sua função satisfatoriamente. Isso constrói autoestima. E autoestima ninguém dá a ninguém — é conquistada.”
Ela finaliza com um ponto-chave: engajamento vem do resultado.
“Todo mundo quer estar onde há vitória. Gente feliz não enche o saco porque está ocupada produzindo, crescendo, fazendo parte de algo que dá certo. Quer ver alguém sofrer? Coloque um líder fraco na frente dele.”
A mensagem do webinar foi clara: não há solução simples para um problema complexo. O combate ao burnout exige comprometimento coletivo, mudanças estruturais, comunicação honesta e, sobretudo, o resgate da responsabilidade individual dentro das organizações.
O Hospital Santa Mônica reforça seu papel como referência em saúde mental e segue promovendo espaços de reflexão e formação para líderes e colaboradores que desejam construir ambientes corporativos mais saudáveis e sustentáveis.