O anúncio feito pelo governo federal em 11 e 12 de setembro de 2025 marca um momento sensível para a política de drogas e para a saúde pública no Brasil: pela primeira vez, o país identifica simultaneamente três substâncias até então inéditas em território nacional, em circulação no mercado ilícito.
A descoberta foi feita por meio do Sistema de Alerta Rápido sobre Drogas (SAR), vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, e evidencia uma evolução das estratégias de monitoramento frente ao dinamismo do tráfico global de novas substâncias psicoativas.
Quais são as substâncias identificadas?
De acordo com o governo:
- Duas triptaminas sintéticas — 4-OH-DET e 4-AcO-DET — encontradas em unidades do produto importado “Magic Mushroom Gummies”, da marca norte-americana TRE House.
- Essas substâncias são relacionadas a compostos psicoativos similares aos dos cogumelos alucinógenos.
- Embora inéditas no Brasil, já haviam sido notificadas em outros países como Chile, Canadá e Bélgica.
- O governo relata que essas moléculas foram incluídas na lista de substâncias proibidas (Lista F2 da Anvisa) pouco depois de sua identificação.
- N-pirrolidino protonitazeno — um opioide sintético da classe dos nitazenos, detectado em exame toxicológico de um paciente em Campinas, dentro de um contexto de intoxicação grave.
- O SAR afirma que, entre a notificação e sua inclusão no controle nacional, o prazo foi de apenas 19 dias — considerado extraordinariamente ágil pelas autoridades.
- A amostra que permitiu a identificação foi obtida pelo Centro de Informação e Assistência Toxicológica (Ciatox) de Campinas.
- Há relatos de que, no atendimento ao paciente, foi necessário o uso de naloxona para reverter os efeitos opiáceos agudos.
O anúncio oficial reforça que todas essas substâncias já estão sob controle da Anvisa e da Senad (Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas).
O que são os nitazenos e por que representam um risco?
A detecção de N-pirrolidino protonitazeno coloca o Brasil dentro de um alerta global. Os nitazenos são opioides sintéticos de alta potência, muitos deles com níveis de efeito superiores ao do fentanil, já amplamente associados a mortes por overdose em vários países.
Alguns pontos críticos sobre os nitazenos:
- O UNODC (órgão das Nações Unidas) já sinaliza que o grupo vem se expandindo globalmente como uma nova fronteira dos opioides sintéticos.
- Uma análise da Organização dos Estados Americanos alerta que o N-pirrolidino protonitazeno pode ter potência de até 25 vezes superior ao fentanil, em termos relativos.
- Em países como Escócia, por meio do serviço de alerta rápido sobre drogas (RADAR), há registro recente de nitazenos como contaminantes em substâncias vendidas como heroína, benzodiazepínicos ou mesmo comprimidos falsos.
- A reversão de uma overdose por nitazeno pode exigir doses múltiplas de naloxona, dada a alta afinidade desses compostos pelos receptores opiáceos.
Em suma, esses compostos não apenas ampliam o leque de drogas de risco no Brasil, mas demandam protocolos específicos de vigilância, atenção clínica e vigilância toxicológica que vão além do modelo tradicional de combate às substâncias já conhecidas.
A estratégia brasileira: SAR e agilidade normativa
O caso mostra um salto na capacidade institucional de resposta. O SAR, subsistema do Sisnad (Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas), foi instituído em caráter permanente em 2024, por meio da Portaria MJSP nº 880, e agora conta com um comitê técnico com participação do Ministério da Saúde, Anvisa e academia.
Seu papel é focal: captar alertas de novas substâncias psicoativas (NSP), identificar padrões emergentes de uso, compartilhar informações entre órgãos e subsidiar decisões normativas e operacionais.
No episódio em pauta, o intervalo recorde — 19 dias — entre a notificação e o controle federal das substâncias demonstra agilidade normativa e busca minimizar tempo de circulação irrestrita dessas drogas.
Além disso, o governo anunciou que está organizando uma rede de cooperação regional com Argentina, Paraguai e Chile para intercâmbio de dados em tempo real sobre substâncias emergentes, o que revela a natureza transnacional do fenômeno das drogas.
Impactos previstos na saúde e desafios de resposta
A entrada de novas drogas no mercado nacional traz diversos desafios para os sistemas de saúde, vigilância toxicológica e políticas de redução de danos:
- Desconhecimento clínico
Médicos, serviços de urgência e laboratórios provavelmente não terão protocolos prontos para lidar com intoxicações por 4-OH-DET, 4-AcO-DET ou nitazenos. A falta de dados clínicos impede que se preveja com precisão dose tóxica, tempo de metabolização, interações e complicações — o que pode agravar desfechos. - Desafio laboratorial
Os laboratórios de toxicologia precisarão atualizar painéis analíticos para detectar essas moléculas, muitas vezes com quantidades mínimas ou impurezas, o que exige equipamentos sensíveis e capacidade técnica que nem todos os laboratórios públicos possuem. - Risco de policonsumo e contaminação oculta
É comum que novas substâncias entrem no mercado já misturadas a outras drogas (cocaína, MDMA, anfetaminas, drogas sintéticas), o que aumenta o risco de reações imprevisíveis.
No caso dos nitazenos, há precedentes em que eles aparecem como contaminantes involuntários em drogas vendidas como heroína ou comprimidos de uso recreativo. - Sobrecarga do sistema de emergência
Uma onda de intoxicações agudas pode pressionar unidades de emergência e de terapia intensiva, especialmente se houver casos de insuficiência respiratória grave, rebaixamento do nível de consciência e necessidade de uso de naloxona. - Comunicação de risco ao público e usuários
É essencial que campanhas informem os riscos dessas drogas, alertem para compra de substâncias importadas não regulamentadas e fomentem práticas de redução de danos — por exemplo, recomendando não consumir sozinho, começar por doses reduzidas, evitar misturas perigosas e buscar ajuda de serviços de saúde ao primeiro sintoma grave.
Lições internacionais que ressoam no Brasil
O alerta do Brasil chega num momento em que o mundo lida com o avanço de drogas sintéticas novas e superpotentes:
- Em Escócia, a autoridade de saúde publicou novo alerta (RADAR) após detecção de nitazenos em casos de óbito e internação.
- Pesquisadores australianos identificaram variantes de nitazenos em estações de tratamento de esgoto (indicador ambiental de uso) — alguns desses compostos com força 40 vezes superior ao fentanil.
- A UNODC aponta que o número de nitazenos identificados globalmente vem crescendo: de apenas um em 2019 a dezenas de variantes detectadas em mais de 30 países até 2025.
- Em itens de tráfico e substâncias ilícitas nos EUA e Europa, já foram identificados “tablets falsos” contendo nitazenos disfarçados de analgésicos convencionais, com vítimas em casos de overdose.
Essas experiências reforçam que o Brasil precisa não apenas reagir, mas antecipar — expandindo vigilância toxicológica, investindo em formação clínica e fortalecendo redes nos níveis municipal e estadual.
Recomendações estratégicas
Diante desse cenário, algumas recomendações urgentes para as autoridades de saúde e gestores públicos:
- Centro de referência toxicológica ampliado — criar unidades especializadas capazes de diagnosticar e tratar intoxicações por substâncias emergentes.
- Treinamento de profissionais de saúde — médicos emergencistas, enfermeiros, técnicos de laboratório devem receber protocolos e manuais atualizados sobre novas drogas.
- Integração interinstitucional — fortalecer articulação entre Justiça, Saúde, Anvisa, vigilâncias laboratoriais estaduais e redes regionais de alerta.
- Campanhas públicas de conscientização — alertar principalmente jovens e usuários sobre os riscos de adquirir substâncias importadas sem controle.
- Expansão da chamada “vigilância ambiental” — como no uso de análises de esgoto para monitorar a circulação de novos metabólitos, servindo como um alerta prévio.
- Estratégias de redução de danos adaptadas — oferecer naloxona, capacitar equipes de harm reduction para lidar com overdoses por opiáceos sintéticos, divulgar informações seguras para usuários.
A identificação simultânea, rápida e coordenada dessas três novas drogas representa um salto de maturidade no aparato brasileiro de enfrentamento às drogas emergentes.
Mas o alerta já está aceso: o país entra em uma nova fase, em que as fronteiras da legalidade e da saúde pública são constantemente desafiadas por químicas sofisticadas e mercados globais. Cabe aos sistemas de vigilância e saúde pública estar um passo à frente — ou, no mínimo, rápida e eficazmente responder.